sexta-feira, 8 de abril de 2011

..................

Para que viver,se não paro de sofrer?
Para que viver se só consigo e perder?
Para que viver se eu não consigo nem um amigo?
Não sou você não sou magro não sou bonito.
Nada eu consigo,não sou popular.
Não sou nada.
Então já que eu não consigo ser você
Prefiro morrer.

[Esse poema fui eu que fiz mais foi por causa de pessoas (assim como eu) que sofreram BULLING!!]

TRISTEZA!!

Você me chinga,me bate me maltrata.
Me tira TUDO que eu gosto por motivos ridículos.
Prefere me ver triste.
E só fala mal de mim.
 Se eu me machuco me bate.
E se eu to bem me machuca ao me bater.
Nunca,nunca,nunca me diz um sim,nunca me elogia.
Quando você está com os parentes fala mal de mim,e NUNCA diz que a culpa sua.
E o pior é que você é a única pessoa que eu tenho!!

sexta-feira, 1 de abril de 2011

AMOR

Sei que você tem sua vida,sei também que errei quando por ti me apaixonei
mais oque eu podia fazer se meus olhos puderam te ver,
Errei e sei,queria poder te dizer o QUANTO por ti me apaixonei 
mais agora EU sei,você é so um sonho impossivel ,indiscutivel
inesquecivel irrestivel.Epor mim incompriensivel.Te Amo,
sem medo de dizer.
Por ti me apaixonei e agora me ferrei!
(Meu coração está triste meus olhos com lagrimas e de minha boca não sai uma PALAVRA. )

A CARTA FEDERAL DE ARTHUR AZEVEDO


 

















A Capital Federal
Artur Azevedo
Comédia Opereta de
costumes brasileiros,
em 3 atos e 12 quadros
_________________________
A
Eduardo Garrido
Mestre e amigo
O.D.C.
Arthur Azevedo
______________________
Personagens e seus criadores
Lola...................................................................................Pepa Ruiz
D. Fortunata......................................................................Clélia Araújo
Benvinda...........................................................................Olímpia Amoedo
Quinota..............................................................................Estefânia Louro
Juquinha............................................................................Adelaide Lacerda
Mercedes...........................................................................Maria Mazza
Dolores.............................................................................Marieta Aliverti
Blanchette.........................................................................Madalena Vallet
Um Literato......................................................................
]Maria Granada
Uma Senhora....................................................................
Uma Hóspede do Grande Hotel da Capital Federal.........Olívia
Eusébio.............................................................................Brandão
Figueiredo.........................................................................Colás
Gouveia............................................................................. H.Machado
Lourenço...........................................................................Leonardo
Duquinha...........................................................................Zeferino
Rodrigues..........................................................................
]Portugal
Pinheiro.............................................................................
Um proprietário................................................................
]Pinto
Um freqüentador do Belódromo......................................
Outro literato...................................................................
]Lopes
O gerente do Grande Hotel da Capital Federal..............
S’ll Vou Plait, amador de bicicleta................................Louro
Mota...............................................................................
]Azevedo
Lemos............................................................................
Um Convidado..............................................................
]Oliveira
Guedes..........................................................................
Um inglês.....................................................................Peppo
Um fazendeiro.............................................................Montani
O "Chasseur"..............................................................N.N.
Hóspedes e criados do Grande Hotel da Capital Federal, vítimas de uma agência de alugar casas, amadores de bicicleta, convidados, pessoas do povo, soldados, etc.
Ação
: no Rio de Janeiro, no fim do século passado.
Ato I
Quadro I
(
- Cena I –
Um
Coro e Coplas
Os Hóspedes
Suntuoso vestíbulo do Grande Hotel da Capital Federal. Escadaria ao fundo. Ao levantar o pano, a cena está cheia de hóspedes de ambos os sexos, com malas nas mãos, e criados e criadas que vão e vêm. O gerente do hotel anda daqui para ali na sua faina.) Gerente, um Inglês, uma Senhora, um Fazendeiro e um Hóspede
De esperar estamos fartos
Nós queremos descansar!
Sem demora aos nossos quartos
Faz favor de nos mandar!
Os Criados
De esperar estamos fartos!
Precisamos descansar!
Um hotel com tantos quartos
O topete faz suar!
Um Hóspede
– Um banho quero!
Um Inglês
– Aoh! Mim quer come!
Uma Senhora
– Um quarto espero!
Um Fazendeiro
– Eu estou com fome!
O Gerente
Um poucochinho de paciência!
Servidos todos vão ser, enfim!
Eu quando falo, fala a gerência!
Fiem-se em mim!
Coro
Pois paciência,
Uma vez que assim quer a gerência!
Coplas
- I –
O Gerente
Este hotel está na berra!
Coisa é muito natural!
Jamais houve nesta terra
Um hotel assim mais tal!
Toda a gente, meus senhores,
Toda a gente, ao vê-lo, diz:
Que os não há superiores
Na cidade de Paris!
Que belo hotel excepcional
O Grande Hotel da Capital
Federal!
Coro
Que belo hotel excepcional, etc...
- II –
O Gerente
Nesta casa não é raro
Protestar algum freguês:
Acha bom, mas acha caro
Quando chega o fim do mês.
Por ser bom precisamente,
Se o freguês é do bom-tom
Vai dizendo a toda a gente
Que isto é caro mas é bom.
Que belo hotel excepcional!
O grande Hotel da Capital
Federal!
Coro
Que belo hotel excepcional, etc...
O Gerente
-
O Gerente
O Gerente
-
O Gerente, Figueiredo
Figueiredo
(Aos criados.) – Vamos!Vamos! Aviem-se! Tomem as malas e encaminhem estes senhores! Mexam-se! Mexam-se!... ( Vozeria. Os hóspedes pedem quarto, banhos, etc... Os criados respondem. Tomam as malas, saem todos, uns pela escadaria, outros pela direita.) Cena II – , depois, Figueiredo () – Não há mãos a medir! Pudera! Se nunca houve no Rio de Janeiro um Hotel assim! Serviço elétrico de primeira ordem! Cozinha esplêndida, música de câmara durante as refeições da mesa-redonda! Um relógio pneumático em cada aposento! Banhos frios e quentes, duchas, sala de natação, ginástica e massagem! Grande salão com um plafond pintado pelos nossomeiros artistas! Enfim, uma verdadeira novidade! – Antes de nos estabelecermos aqui, era uma vergonha! Havia hotéis em S. Paulo superiores aos melhores do Rio de Janeiro! Mas em boa hora foi organizada a Companhia do Grande Hotel da Capital Federal, que dotou essa cidade com um melhoramento tão reclamado! E o caso é que a empresa está dando ótimos dividendos e as ações andam por empenhos! (Figueiredo aparece no topo da escada e começa a descer.) Ali vem o Figueiredo. Aquele é o verdadeiro tipo do carioca: nunca está satisfeito. Aposto que vem fazer alguma reclamação. Cena III – – Ó seu Lopes, olhe que, se isto continuar assim, eu mudo-me!
O Gerente
(À parte) – Que dizia eu?
Figueiredo
levasse o café ao quarto às sete horas, e hoje...
O Gerente
– O meliante lhe apareceu um pouco mais tarde.
– Esta vida de hotel é intolerável! Eu tinha recomendado ao criado que me
Figueiredo
isso não tem lugar.
– Pelo contrário. Faltavam dez minutos para as sete... Você compreende que
O Gerente
– Pois sim, mas...
Figueiredo
– Perdão ;eu pedi o café para as sete e não para as seis e cinqüenta!
O gerente
– Hei de providenciar.
Figueiredo
– E que idéia foi aquela ontem de darem lagostas ao almoço?
O Gerente
– Homem, creio que lagosta...
Figueiredo
– É um bom petisco, não há dúvida, mas faz-me mal!
O Gerente
– Pois não coma!
Figueiredo
– Mas eu não posso ver lagostas sem comer!
O Gerente
– Não é justo por sua causa privar os demais hóspedes.
Figueiredo
feira passada? Apresentaram-me ao jantar maionese. – Maionese! Quase
atiro com o prato à cara do criado!
– Felizmente até agora não sinto nada no estômago... É um milagre! E Sexta-
O Gerente
– Mas comeu!
Figueiredo
extraordinária não ter tido uma indigestão!...
-
Os mesmos, Lola
Lola
o Gouveia está?
– Comi, que remédio! Eu posso lá ver maionese sem comer? Mas foi uma coisa Cena IV – ( Entrando arrebatadamente da esquerda.) – Bom dia! (Ao gerente.) Sabe me dizer se
O Gerente
– O Gouveia?
Lola
– Sim, o Gouveia – um cavalheiro que está aqui morando desde a semana passada.
O Gerente
( Indiscretamente) – Ah! O jogador... (Tapando a boca) Oh!... Desculpe!...
Lola
– O jogador, sim, pode dizer! Por ventura o jogo é hoje um vício inconfessável?
O Gerente
descer.
– Creio que esse cavalheiro está no seu quarto; pelo menos ainda o não vi
Lola
– Sim, o Gouveia é jogador, e essa é a única razão que me faz gostar dele.
O Gerente
– Ah! A senhora gosta dele?
Lola
a primeira dúzia!
– Se gosto dele? Gosto, sim, senhor! Gosto, e hei de gostar, pelo menos enquanto der
O gerente
(Sem entender) – Enquanto der...
Lola
conforme o palpite. Há perto de um mês que está apontando na primeira.
- Ele só aponta nas dúzias – ora na primeira, ora na segunda, ora na terceira,
Figueiredo
(À parte.) – É um jogador das dúzias!
Lola
– Enquanto der a primeira, amá-lo-ei até o delírio!
Figueiredo
– A senhora é franca!
Lola
Fin de siècle, meu caro senhor, fin de siècle.
Valsa
Eu tenho uma grande virtude:
Sou franca, não posso mentir!
Comigo somente se ilude
Quem mesmo se queira iludir!
Porque quando apanho um sujeito
Ingênuo, simplório, babão,
Necessariamente aproveito,
Fingindo por ele paixão!
Engolindo a pílula,
Logo esse imbecil!
Põe-se a fazer dívidas
E loucuras mil!
Quando enfim, o mísero
Já nada mais é,
Eu sem dó aplico-lhe
Rijo pontapé!
Eu tenho uma linha traçada,
E juro que não me dou mal...
Desfruto uma vida folgada
E evito morrer no hospital.
Descuidosa,
Venturosa,
Com folias
Sem amar,
Passo os dias
A folgar!
Só conheço as alegrias,
Sem tristezas procurar!
Eu tenho uma grande virtude, etc...
Mas vamos, faça o favor de indicar-me o quarto do Gouveia.
O Gerente
– Perdão, mas a senhora não pode lá ir.
Lola
– Por quê?
O Gerente
– Aqui não há disso...
Figueiredo
– (À parte) – Toma!
O Gerente
não estejam acompanhadas.
– Os nossos hóspedes solteiros não podem receber nos quartos senhoras que
Lola
– Caracoles! Sou capaz de chamar o Lourenço para acompanhar-me.
O Gerente
– Quem é o Lourenço?
Lola
caleça!
– O meu cocheiro. Ah! Mas que lembrança a minha! Ele não pode abandonar a
O Gerente
um
– O que a senhora deve fazer é esperar no salão. Um belo salão, vai ver, com plafond pintado pelos nossos primeiros artistas!
Lola
– Onde é?
O Gerente
(Apontando para a direita.) – Ali.
Lola
e lança um olhar brejeiro a Figueiredo
– Pois esperá-lo-ei. Oh! Estes prejuízos! Isto só se vê no Rio de Janeiro!... (Vai a sair .)
Figueiredo
direita
-
O Gerente
O Gerente
– Deixe-se disso, menina! Eu não jogo na primeira dúzia! (Lola sai pela .) Cena V – , depois o Chasseur – Oh! Sr. Figueiredo! Não se trata assim uma mulher bonita!...
Figueiredo
– Não ligo importância a esse povo.
O Gerente
– Sim, eu sei... é como a lagosta... Faz-lhe mal, talvez, mas atira-se-lhe que...
Figueiredo
– Está engasgado. Essas estrangeiras não têm o menor encanto para mim.
O Gerente
– Não conheço ninguém mais pessimista que o senhor.
Figueiredo
– Fale-me de uma trigueira... bem trigueira, bem carregada...
O Gerente
– Uma mulata?
Figueiredo
nosso, é o que vai com o nosso temperamento e o nosso sangue! E quanto
mais dengosa for a mulata, melhor! Ioiô, eu posso? Entrar de caixeiro, sair
como sócio?... Você já esteve na Bahia, seu Lopes?
– Uma mulata, sim! Eu digo trigueira por ser menos rebarbativo. Isso é que é
O Gerente
– Ainda não. Mas com licença: vou mandar chamar o tal Gouveia. (Chamando.)
Chasseur
ao hóspede que está uma senhora no salão à sua espera. (
correr pela escada
. (Entra da direita um menino fardado.) Vá ao quarto nº 135 e diga O menino sai a .)
Figueiredo
Chasseur! Pois não havia uma palavra em português para...
O Gerente
– Não havia, não senhor. Chasseur não tem tradução.
Figueiredo
– Ora essa! Chasseur é...
O Gerente
Capital Federal é o primeiro no Brasil que se dá ao luxo de ter um
Mas como ia dizendo... a Bahia?...
– É caçador, mas chasseur de hotel não tem equivalente. O Grande Hotel da chasseur! –
Figueiredo
las! Aquilo é que são mulatas! No Rio de Janeiro não as há!
– Foi lá eu tomei predileção pelo gênero. Ah, meu amigo! É preciso conhecê-
O Gerente
– Perdão, mas eu tenho visto algumas que...
Figueiredo
– Qual! Não me conte histórias. – Nós não temos nada! Mulatas na Bahia!...
Coplas
- I -
As mulatas da Bahia
Têm de certo a primazia
No capítulo mulher;
O sultão lá na Turquia
Se as apanha um belo dia,
De outro gênero não quer!
Ai gentes! Que bela,
A fada amarela
De trunfa enroscada,
De manta traçada,
Mimosa chinela
Levando calçada
Na ponta do pé!...
- II -
As formosas georgianas,
As gentis circassianas
São as flores dos haréns;
Mas, seu Lopes, tais sultanas,
Comparadas às baianas,
Não merecem dois vinténs!
Ai! Gentes! Que bela, etc...
Seu Lopes, você já viu a
Mimi Bilontra?
O Gerente
– Isso vi, mas a Mimi Bilontra não é mulata.
Figueiredo
Você sabe o que é lançar mulheres?
– Não, não é isso. Na Mimi Bilontra há um tipo que gosta de lançar mulheres.
Lopes
– Sei, sei.
Figueiredo
poucas!
– Pois eu também gosto de lançá-las. Mas só mulatas! Tenho lançado umas
Lopes
– Deveras?
Figueiredo
lançadas por mim. É a minha especialidade.
– Todas as mulatas bonitas que têm aparecido por aí arrastando as sedas foram
O Gerente
– Dou-lhe os meus parabéns.
Figueiredo
satisfações a ninguém. (
se esqueça de providenciar para que o criado não continue a levar-me o café às
seis e cinqüenta!
– Que quer? Sou solteiro, aposentado, independente: não tenho que dar Outro tom.) Bom: vou dar uma volta antes do jantar. Não
O Gerente
– Vá descansado. A reclamação é muito justa.
Figueiredo
– Até logo! (Sai.)
O Gerente
capacidade para apreciar o Grande Hotel da Capital Federal!
-
(.) – Gabo-lhe o gosto de lançar mulatas! Imaginem se um tipo assim tem Cena VI
O Gerente, Lola
Lola
, depois Gouveia, depois O Gerente (Entrando.) – Então? Estou esperando há uma hora!...
O Gerente
– Admirou o nosso plafond?
Lola
– Não admirei nada! O que eu quero é falar ao Gouveia!
O Gerente
descendo a escada. (
– Já o mandei chamar. (Vendo o Gouveia que desce a escada.) E ele aí vem À parte.) Pois a esta não se me dava de lançá-la. (Sai.)
Gouveia
Este hotel...
(Que tem descido.) – Que vieste fazer? Não te disse que não me procurasses aqui?
Lola
apareceste ontem nem anteontem, e quando tu não me apareces, dir-se-ia que eu
enlouqueço! Como te amo, Gouveia! (
Gouveia
efetivamente descido a escada, desaparecendo por qualquer um dos lados
– Pois sim, Mas não dês escândalo! Olha o
– Bem sei: não admite senhoras que não estejam acompanhadas; mas tu não me Abraça-o.) chasseur. ( O chasseur tem .)
Lola
– Então? A primeira dúzia?
Gouveia
seguidas!
– Tem continuado a dar que faz gosto! 5...11...9...5... Ontem saiu o 5 três vezes
Lola
– Continuas então em maré de felicidade?
Gouveia
ti...
– Uma felicidade brutal!... Tanto assim, que tinha já preparado este envelope para
Lola
– Oh! dá cá! dá cá!...
Gouveia
– Pois sim, mas com uma condição: vai para casa, não estejas aqui.
Lola
sim?
(Tomando o envelope.) – Oh! Gouveia, como eu te amo! Vais hoje jantar comigo,
Gouveia
a primeira dúzia continuará hoje a dar!
– Vou, contanto que saia cedo. É preciso aproveitar a sorte! Tenho certeza de que
Lola
(Com entusiasmo.) – Oh! Meu amor!... (Quer abraçá-lo.)
Gouveia
– Não! Não!... Olha o gerente!...
Lola
– Adeus! (Sai muito satisfeita.)
O Gerente
dúzia! (
(Que tem entrado, à parte.) – Vai contente! Aquilo é que deu a tal primeira Inclinando-se diante de Gouveia.) Doutor...
Gouveia
rapariga, mas muito inconveniente.
– Quando aqui vier esta senhora, o melhor é dizer-lhe que não estou. É uma boa
O Gerente
(
-
– Vou transmitir essa ordem ao porteiro, porque eu posso não estar na ocasião. Sai.) Cena VII
Gouveia
-
() – É adorável esta espanhola, isso é... não choro uma boa dúzia de contos de réis gastos com ela, e que, aliás, não me custaram a ganhar... mas tem um defeito: é muito colante... Estas ligações são o diabo... Mas como acabar com isto? Ah! Se a Quinota soubesse! Pobre Quinota! Deve estar queixosa de mim... Oh! Os tempos mudaram... Quando estive em Minas era um simples caixeiro de cobranças... É verdade que hoje nada sou, porque um jogador não é coisa nenhuma... mas ganho dinheiro, sou feliz, muito feliz! A Quinota, no final das contas, é uma roceira... mas tão bonita! E daí, quem sabe? – talvez já se tivesse esquecido de mim. Cena VIII -
Gouveia, Pinheiro
Pinheiro
, depois o Gerente ( Entrando.) – Oh! Gouveia!
Gouveia
– Oh! Pinheiro! Que andas fazendo?
Pinheiro
que luxo! Como estás abrilhantado! Vejo que as coisas têm te corrido às mil
maravilhas!
– Venho a mandado do patrão falar com um sujeito que mora neste hotel... Mas
Gouveia
parte a mandado de patrão... Atirei-me a umas tantas especulações ...Tenho
arranjado para aí uns cobres...
(Muito seco.) – Sim... deixei de ser caixeiro... Embirrava com isso de ir a qualquer
Pinheiro
– Vê-se ... Estás outro, completamente outro!
Gouveia
– Devo lembrar-te que nunca me viste sujo.
Pinheiro
– Sujo não digo... mas vamos lá, já te conheci pau de laranjeira! Por sinal que...
Gouveia
essa dívida.
– Por sinal que uma vez me emprestaste dez mil-réis. Fazes bem em lembrar-me
Pinheiro
– Eu não te lembrei coisa nenhuma!
Gouveia
– Aqui tens vinte mil-réis. Dou-te dez de juros.
Pinheiro
dês a quem to não pede. Fico apenas com os dez mil-réis que te emprestei com
muita vontade – e sem juros. Quando precisares deles, vem buscá-los. Cá ficam.
– Vejo que tens a esmola fácil, mas – que diabo! – guarda o teu dinheiro e não o
Gouveia
– Oh! Não hei de precisar, graças a Deus!
Pinheiro
– Homem, quem sabe! O mundo dá tantas voltas!
Gouveia
– Adeus, Pinheiro. (Sai pela esquerda.)
Pinheiro
olha, meu figurão, não te desejo nenhum mal, mas conto que ainda hás de vir
buscar estes dez mil-réis, que ficam de prontidão.
- Adeus, Gouveia. (.) Umas tantas especulações... Bem sei quais são elas... Pois
O Gerente
(Entrando.) – Deseja alguma coisa?
Pinheiro
escada e desaparece
– Sim, senhor, falar a um hóspede... Eu sei onde é, não se incomode. (Sobe a .)
O Gerente
um hotel de primeira ordem como é o Grande Hotel da Capital Federal!
-
(.) – E lá vai sem dar mais cavaco! Esta gente há de custar-lhe habituar-se a Cena IX
O Gerente, Eusébio, Fortunata, Quinota, Benvinda,
Juquinha, Dois Carregadores da Estrada de Ferro com malas
depois o
, chasseur, Criados e Criadas.
(
A família traz maletas, trouxas, embrulhos, etc.)
O Gerente
– Olá! Temos hóspedes! (Chamando.) Chasseur. Vá chamar gente! ( O
chasseur
criadas
aparece e desaparece, e pouco depois volta com alguns criados e .)
Eusébio
Trinta mil-réis pra nos trazê da estação da estrada de ferro até aqui. Esta gente
pensa que dinheiro se cava! (
o, apertando também a mão ao
esteje nesta casa!... (
(Entrando à frente da família, fechando uma enorme carteira.) – Ave Maria ! Aperta a mão ao gerente. O resto da família imita- chasseur e à criadagem.) Deus Nosso Sinhô Vai pagar aos carregadores, que saem.)
Fortunata
– É um casão.
Quinota
– Um palácio!
Juquinha
– Eu tou com fome! Quero jantá!
Benvinda
– Espera, nhô Juquinha!
Fortunata
– Menino, não começa a reiná!
O Gerente
– Desejam quartos?
Eusébio
– Sim sinhô!... Mas antes disso deixe dizê quem sou.
O Gerente
– Não é preciso. O seu nome será escrito no registro dos hóspedes.
Eusébio
Coplas-Lundu
Eusébio
-
– Pois sim, sinhô, mas ouça... I –
Sinhô, eu sou fazendeiro
Em São João do Sabará,
E venho ao Rio de Janeiro
De coisas graves tratá.
Ora aqui está!
Tarvez leve um ano inteiro
Na Capitá Federá!
Coro
Ora aqui está! etc...
Eusébio
-
II –
Apareceu um janota
Em São João do Sabará;
Pediu a mão de Quinota
E vei’se embora pra cá.
Ora aqui está!
Hei de achá esse janota
Na Capitá Federá!
Coro
Ora aqui está, etc...
Esta é minha muié, Dona Fortunata.
Fortunata
– Uma sua serva. (Faz uma mesura.)
O Gerente
– Folgo de conhecê-la, minha senhora. E esta maça? É sua filha?
Eusébio
– Nossa.
Fortunata
– Nome dela é Quinota... Joaquina... mas gente chama ela de Quinota.
Quinota
– Cala a boca, mamãe. O senhor não perguntou nada.
Eusébio
Juquinha
traquinava ao fundo
Juquinha!
– É muito estruída. Teve três professô... Este é meu filho... (Procurando .) Onde está ele? Juquinha! (Vai buscar pela mão o filho, que .) Tá aqui ele. Tem cabeça – qué vê? Diz um verso,
Juquinha
– Ora, papai!
Fortunata
Juquinha
– Ora, mamãe!
– Diz um verso, menino! Não ouve teu pai tá mandando?
Quinota
– Diz o verso, Juquinha! Você parece tolo!...
Juquinha
– Não digo!
Benvinda
– Nhô Juquinha, diga aquele de lá vem a lua saindo!
Juquinha
– Eu não sei verso!
Fortunata
– Diz o verso, diabo! (Dá-lhe um beliscão, Juquinha faz grande berreiro.)
Eusébio
muito cheio de vontade... Ah! Mas eu hei de endireitar ele!
(Tomando o filho e acariciando-o.) – Tá bom! chora! não chora! (Ao gerente) Tá
O Gerente
– Não será melhor subirem para os seus quartos?
Eusébio
– Sim, sinhô. (Examinando em volta de si.) O hotelzinho parece bem bão.
O Gerente
mundo! O grande Hotel da Capital Federal!
– O hotelzinho? Um hotel que seria de primeira ordem em qualquer parte do
Fortunata
– E diz que é só de família.
O Gerente
-
Os mesmos,
– Ah! Por esse lado podem ficar tranqüilos. Cena X - Figueiredo
(
Figueiredo volta; examina os circunstantes e mostra-se impressionado por Benvinda, que repara nele.)
O Gerente
escolherem os seus quartos à vontade. (
Figueiredo
(Aos criados.) – Acompanhem estas senhoras e estes senhores... para Vai saindo e passa por perto de .)
Figueiredo
(Baixinho.) – Que boa mulata, seu Lopes! ( O gerente sai.)
Os Criados e Criadas
Subam!...
(Tomando as malas e os embrulhos.) – Façam favor!... Venham!...
Eusébio
sobem.
Figueiredo dá-lhe um pequeno beliscão no braço
(Perto da escada.) Suba, Dona Fortunata! Sobe, Quinota! Sobe, Juquinha! (Todos ) Vamo! (Sobe também.) Sobe, Benvinda! (Quando Benvinda vai subindo, .)
Figueiredo
– Adeus, gostosura!
Benvinda
– Ah! Seu assanhado! (Sobe.)
O Gerente
Grande Hotel da Capital Federal!
(Que entrou e viu.) – Então, que é isso, Sr. Figueiredo? Olhe que está no
Figueiredo
– Ah! Seu Lopes, aquela hei de eu lançá-la! (Sobe a escada.)
O Gerente
Mutação
(.) – Queira Deus não vá arranjar uma carga de pau do fazendeiro! (Sai, .)
Quadro II
(
"Agência de alugar casas. Preço de cada indicação, Rs.5$000, pagos
adiantados. Ao fundo um banco, encostado à parede
-
Corredor. Na parede uma mão pintada, apontando para este letreiro: .) Cena I
Vítimas
Coro
, entrando furiosas da esquerda, depois, Mota, Figueiredo
Que ladroeira!
Que maroteira!
Que bandalheira!
Pasmado estou!
Viu toda a gente
Que o tal agente
Cinicamente
Nos enganou!
Mota
Cinco mil-réis roubados!... Mas deixem estar que... (
Figueiredo, que entra da direita
(Entrando da esquerda também muito zangado.) – Cinco mil-réis deitados fora!... Vai saindo e encontra-se com .)
Figueiredo
– Que é isto, seu Mota? Vai furioso!
Mota
cinco mil-réis.
– Se lhe parede que não tenho razão! Esta agência indica onde há casas vazias por
Figueiredo
– Casas por cinco mil-réis? Barata feira!
Mota
– Perdão; indica por cinco mil-réis...
Figueiredo
Grande Hotel da Capital Federal e montar casa. Esgotei todos os meios para obter
com que naquele suntuoso estabelecimento me levassem o café ao quarto às sete
horas em ponto. Como não estou para me zangar todas as manhãs, mudo-me. O
diabo é que não acho casa que me sirva. Dizem-me que nesta agência...
(Sorrindo) – Bem sei, e é isso justamente o que aqui me traz. Resolvi deixar o
Mota
sucedeu e tem sucedido a muita gente! Indicaram-me uma casa no morro do Pinto,
com todas as acomodações que eu desejava... Você sabe o que é subir ao morro do
Pinto?
– Volte, seu Figueiredo, volte, se não quer que lhe aconteça o mesmo que me
Figueiredo
– Sei, já lá subi uma noite por causa de uma trigueira.
Mota
– Pois eu subi ao morro do Pinto e encontrei a casa ocupada.
Figueiredo
– Foi justamente o que me aconteceu com a trigueira.
Mota
meus ricos cinco mil-réis. Respondem-me que a agência nada me restitui, porque
não tem culpa de que a casa se tivesse alugado.
– Volto aqui, faço ver que a indicação de nada me serviu e peço que me restituam os
Figueiredo
– E não lhe deram outra indicação?
Mota
– Deram. Cá está. (Tira um papel.)
Figueiredo
(À parte.) – Vou aproveitá-la!
Mota
– Mas provavelmente vale tanto como a outra!
Figueiredo
(Depois de ler.) – Oh!
Mota
– Que é?
Figueiredo
– Esta agora não é má! Rua dos Arcos nº 100. Indicaram a casa da Minervina!
Mota
– Que Minervina?
Figueiredo
– Uma trigueira.
Mota
Figueiredo
Arcos não há oito dias.
– Não. Outra. Outra que eu lancei há quatro anos. Mudou-se para a Rua dos
– A do morro do Pinto?
Mota
– Então? Quando lhe digo!
Figueiredo
lá no hotel uma família de Minas que trouxe consigo uma mucama... Ah, seu
Mota...
– As mulatas. Eu digo trigueiras por ser menos rebarbativo... Ainda agora está
Mota
– Pois atire-se!
Figueiredo
Só hoje consegui meter-lhe uma cartinha na mão, pedindo-lhe que vá ter comigo ao
Largo da Carioca. Quero lançá-la!
– Não tenho feito outra coisa, mas não me tem sido possível encontrá-la a jeito.
Mota
– Mas vamos embora! Estamos numa caverna!
Figueiredo
-
Os mesmos,
A Senhora
– E é tudo assim no Rio de Janeiro... Não temos nada, nada, nada... Vamos... Cena II Uma Senhora, depois Um proprietário (Vindo da esquerda.) – Um desaforo! Uma pouca vergonha!
Mota
– Foi também vítima, minha senhora?
A Senhora
– Roubaram-me cinco mil-réis!
Figueiredo
– Também – justiça se lhes faça – eles nunca roubam mais do que isso!
A Senhora
quero um quarto mobiliado! Vou queixar-me...
– Indicaram-me uma casa... Vou lá, e encontro um tipo que me pergunta se
Mota
vai atravessando a cena da direita para a esquerda, cumprimentando as pessoas
presentes
– Ao bispo, minha senhora! Queixemo-nos todos ao bispo!... (O proprietário entra e .)
Figueiredo
que lhe roubam cinco mil-réis.
(Embargando-lhe a passagem.) – Não vá lá, não vá lá, meu caro senhor! Olhe
O Proprietário
– Nada! Eu não pretendo casa. O que eu quero é alugar a minha.
Os Três
– Ah! (Cercam-no.)
A Senhora
– Talvez não seja preciso ir à agência. Eu procuro uma casa.
Mota
– E eu.
Figueiredo
– E eu também.
A Senhora
– A sua onde é?
O Proprietário
– Se querem a indicação, venham cinco mil-réis de cada um!
Os Três
– Hein?
O Proprietário
– Ora essa! Por que é que a agência há de cobrar e eu não?
Mota
autorizado.
– A agência paga impostos e é, apesar dos pesares, um estabelecimento legalmente
O Proprietário
indicação por três mil-réis.
– Bem; como eu não sou um estabelecimento legalmente autorizado, dou a
Mota
– Guarde-a!
Figueiredo
– Dispenso-a!
A Senhora
as patifarias!
– Aqui tem os três mil-réis. A necessidade é tão grande que me submeto a todas
O Proprietário
dinheiro
A Senhora
– Vamos!
(Calmo.) – Patifaria é forte, mas como a senhora paga... (Guarda o .)
O Proprietário
– A minha casa é na Praia Formosa.
Mota e Figueiredo
– Que horror!
O Proprietário
um açougue.
– Um sobrado com três janelas de peitoril. Os baixos estão ocupados por
Mota e Figueiredo
– Xi!
A Senhora
– Deve haver muito mosquito!
O Proprietário
cozinha, latrina na cozinha, água, gás, quintal, tanque de lavar e galinheiro.
– Mosquitos há em toda a parte. Sala, três quartos, sala de jantar, despensa,
A Senhora
– Não tem banheiro?
O Proprietário
muito suja. Aluguel, duzentos e cinqüenta mil-réis por mês. Carta de fiança
passada por negociante matriculado, trezentos mil-réis de posse e contrato por três
anos. O imposto predial e de pena d’água é pago pelo inquilino.
– Terá, se o inquilino o fizer. A casa foi pintada e forrada há dez anos; está
A Senhora
(
– Com os três mil-réis que me surrupiou compre uma corda e enforque-se! Sai.)
Figueiredo
(Enquanto ela passa.) – Muito bem respondido, minha senhora!
Mota
– Com efeito!
O Proprietário
– Mas os senhores...
Figueiredo
polícia.
(Tirando um apito do bolso.) – Se diz mais uma palavra, apito para chamar a
O Proprietário
– Ora vá se catar! (Vai saindo.)
Figueiredo
– Que é? Que é? ... (Segue-o .)
O Proprietário
– Largue-me!
Figueiredo
– Este tipo merecia uma lição! (Empurrando-o .) Vamos embora! Deixá-lo!
Mota
– Vamos!
O Proprietário
(Voltando e avançando para eles.) – Mas eu...
Os Dois
e Figueiredo encolhem os ombros e saem pela direita, encontrando-se à porta com
Eusébio, que entra. O Proprietário volta e, enganado, dá com o guarda-chuva em
Eusébio, e foge. Eusébio tira o casaco para persegui-lo
-
– Hein? (Atiram-se ao Proprietário, que foge, desaparecendo pela esquerda. Mota .) Cena III
Eusébio
Eusébio
esta, Minha Nossa Senhora, que terra esta em que um home apanha sem sabê por
quê? Mas onde ficou esta gente? Aquela Dona Fortunata não presta para subir
escada! (
, só; depois, Fortunata, Quinota, Juca, Benvinda – Tratante! Se eu te agarro, tu havia de vê o que é purso de mineiro! Que terra Indo à porta da direita.) Entra! É aqui! (Entra a família.)
Fortunata
Virge Maria! Quanta escada!
(Entrando apoiada no braço de Quinota.) – Deixe-me arrespirá um bocadinho!
Eusébio
– E ainda é no outro andá! Olhe! (Aponta para o letreiro.)
Juca
(Vendo Eusébio a vestir o casaco.) – Mamãe, papai se despiu!
As Três
– É verdade!
Eusébio
– Tirei o casaco pra brigá! Não foi nada.
Fortunata
Quinota
– É um inferno!
– Não posso mais co’esta história de casa!
Benvinda
– Uma desgraça!
Eusébio
óio da cara! Como temo que ficá argum tempo na Capitá Federá, o mió é precurá
uma casa. A gente compra uns traste e alguma louça... Benvinda vai pra cozinha...
– Paciência. Nós não podemo ficá naquele hoté... Aquilo é luxo de mais e custa os
Benvinda
(À parte.) – Pois sim!
Eusébio
– E Quinota trata dos arranjo da casa.
Quinota
– Mas a coisa é que não se arranja casa.
Eusébio
– Desta vez tenho esperança de arranjá. Diz que essa agência é muito séria. Vamo!
Fortunata
– Eu não subo mais escada! Espero aqui no corredô.
Eusébio
– Tudo fica! Eu vou e vorto (Vai saindo.)
Juca
(Chorando e batendo o pé.) – Eu quero i com papai! eu quero i com papai!
Fortunata
– Pois vai, diabo!...
Eusébio
-
– Vem! vem! Não chora! Dá cá a mão! (Sai com o filho pela esquerda.) Cena IV -
Fortunata, Quinota e Benvinda
Quinota
– Mamãe, por que não se senta naquele banco?
Fortunata
olhos
– Ah! É verdade! não tinha arreparado. Estou moída. (Senta-se e fecha os .)
Benvinda
– Sinhá vai dromi.
Quinota
– Deixa.
Benvinda
(Em tom confidencial.) – Ó nhanhã?
Quinota
– Que é?
Benvinda
vinha subindo pra cima?
– Nhanhã arreparou naquele home que ia descendo pra baixo quando a gente
Quinota
– Não. Que homem?
Benvinda
– Aquele que mora lá no hoté em que a gente mora...
Quinota
– Olha mamãe! (D. Fortunata ressona.)
Benvinda
– Já está dromindo. Nhanhã arreparou?
Quinota
– Reparei,sim.
Benvinda
– Sabe o que ele fez hoje de menhã? Me meteu esta carta na mão!
Quinota
– Uma carta? E tu ficaste com ela? Ah! Benvinda! (Pausa.) É para mim?
Benvinda
– Pra quem havera de sê?
Quinota
– Não está sobrescritada.
Benvinda
a carta é minha... O que eu quero é que ela leia pra eu ouvi.
(À parte, enquanto Quinota se certifica de que Fortunata dorme.) – Bem sei que
Quinota
fazendo!
– Dá cá. (Toma a carta e vai abri-la, mas arrepende-se.) Que asneira ia eu
Duetino
Quinota
Eu gosto do seu Gouveia:
Com ele quero casar;
O meu coração anseia
Pertinho dele pulsar;
Portanto a epístola
Não posso abrir!
Sérios escrúpulos
Devo sentir!
Benvinda
Está longe seu Gouveia;
Aqui agora não vem...
Abra a carta, a carta leia...
Não digo nada a ninguém!
Quinota
Não! não! a epístola
Não posso abrir!
Sérios escrúpulos
Devo sentir!
Entretanto, é verdade
Que tenho tal ou qual curiosidade,
Mamãe – eu tremo!
Dormindo está?
Benvinda
Sim, e ela memo
Respondeu já. (
Fortunata tem ressonado)
Quinota
É feio,
Mas que importa? Abro e leio! (
Abre a carta.)
Juntas
Quinota Benvinda
Eu sou curiosa! É bem curiosa!
Não sei me conter! Não há que dizê!
A carta amorosa A carta amorosa
Depressa vou ler! Depressa vai lê...
Ambas
– Uê!...
Quinota
(Lendo a carta.) – "Minha bela mulata."
Ambas
– Uê!
Quinota
procurado falar-te. Tu não passas de uma simples mucama..." (
Benvinda
(Lendo) – "Minha bela mulata. Desde que está morando neste hotel, tenho debalde Dá a carta a .) A carta é para ti. (À parte.) Fui bem castigada.
Benvinda
– Leia pra eu ouvi, nhanhã.
Quinota
(Lendo.) – "Se queres Ter uma posição independente e uma casa tua..."
Benvinda
– Gentes!
Quinota
Largo da Carioca, ao pé da charutaria do Machado."
– "... deixa o hotel e vai ter comigo terça-feira, às quatro horas da tarde, no
Benvinda
(À parte.) – Terça-feira... quatro hora...
Quinota
– "Nada te faltará. Eu chamo-me Figueiredo."
Benvinda
– Rasga essa carta, nhanhã! Veja só que sem-vergonha de home!
Quinota
(Rasgando a carta.) – Se papai soubesse...
Benvinda
-
As mesmas,
Eusébio
(À parte.) – Figueiredo... Cena V Eusébio, Juquinha – Já tenho uma indicação!
D. Fortunata
(Despertando.) – Ah! Quase pego no sono! (Erguendo-se.) Já temo casa?
Eusébio
tomado por outro. Vamo à Praia Fermosa pra vê se a casa serve.
– Parece. O dono dela é o home com quem eu briguei indagorinha. Tinha me
D. Fortunata
– Ora graça!
Benvinda
(À parte.) – Perto da charutaria.
Eusébio
casa muito boa... Fica pro cima de um açougue, o que qué dizê que nunca fartará
carne! Vamo!
( Que ouviu.) – Não sei se é perto da charutaria, mas diz que o logá é aprazive; a
Quinota
– É muito longe?
Eusébio
– É; mas a gente vai no bonde...
Benvinda
(À parte.) – Que Largo da Carioca! É os bondinho da Rua Direita! Vamo!
Juquinha
– Eu quero i co Benvinda!
Fortunata
menino! (
- Vai co Benvinda. É perciso munta paciência para aturá este demônio deste Saem todos.)
Benvinda
Figueiredo...
-
(Saindo por último, com Juquinha pela mão.) – Terça-feira... quatro hora... Cena VI
O Proprietário
não lhe dou dois meses para apanhar uma febre palustre! (
Mutação
(Vindo da esquerda.) – Queira Deus que o mineiro fique com a casa... mas Sai pela direita. .)
Quadro III
(
espera de bonde. Outras passeiam
-
O Largo da Carioca. Muitas pessoas estão à .) Cena I
Figueiredo, Rodrigues, Pessoas do Povo
Coro
À espera do bonde elétrico
Estamos há meia hora!
Tão desusada demora
Não sabemos explicar!
Talvez haja algum obstáculo,
Algum descarrilamento,
Que assim possa o impedimento
Da linha determinar!
(
de pequenos embrulhos
Figueiredo e Rodrigues vêm ao proscênio. Rodrigues está carregado .)
Rodrigues
– Que estopada, hein?
Figueiredo
malfeito! Não temos nada, nada, absolutamente nada!
– É tudo assim no Rio de Janeiro! Este serviço de bondes é terrivelmente
Rodrigues
por culpa dela esse atraso. Ali na estação me disseram. Na Rua do Passeio está
uma fila de bondes parados diante de um enorme caminhão, que levava uma
máquina descomunal não sei para onde, e quadrou as rodas. É ter um pouco de
paciência.
– Que diabo! Não sejamos tão exigentes! Esta companhia não serve mal. Não é
Figueiredo
(
– Eu felizmente não estou à espera de bonde, mas de coisa melhor. Consultando o relógio.) Estamos na hora.
Rodrigues
– Ah! Seu maganão ... alguma mulher... Você nunca há de tomar juízo!
Figueiredo
– Uma trigueira... uma deliciosa trigueira!
Rodrigues
– Continua então a ser um grande apreciador de mulatas?
Figueiredo
– Continuo, mas eu digo trigueiras por ser menos rebarbativo.
Rodrigues
angular de uma sociedade bem organizada.
– Pois eu cá sou o homem da família, porque entendo que a família é a pedra
Figueiredo
– Bonito!
Rodrigues
e os bons costumes.
– Reprovo incondicionalmente esse amores escandalosos, que ofendem a moral
Figueiredo
– Ora não amola! Eu sou solteiro... não tenho que dar satisfações a ninguém.
Rodrigues
adoráveis filhinhos que me deu! Vivo exclusivamente para a família. Veja como
vou para casa cheio de embrulhos! E é isto todos os dias! Vão aqui empadinhas,
doces, queijo, chocolate, andaluza, sorvetes de viagem, o diabo!... Tudo
gulodices!...
– Pois eu sou casado, e todos os dias agradeço a Deus a santa esposa e os
Figueiredo
como estou impaciente! É curioso! Não varia aos quarenta anos esta sensação
esquisita de esperar uma mulher pela primeira vez! Note-se que não tenho certeza
de que ela venha, mas sinto uns formigueiros subirem-me pelas pernas! (
Benvinda
(Que preocupado, não lhe tem prestado grande atenção.) – Não imagina você Vendo .) Oh! Diabo! Não me engano! Afaste-se, afaste-se, que lá vem ela!...
Rodrigues
observando de longe
-
Os mesmos,
Benvinda
– Seja feliz. Para mim não há nada como a família. (Afasta-se e fica .) Cena II Benvinda (Aproximando-se com uma pequena trouxa na mão.) – Aqui estou.
Figueiredo
pronta a acompanhar-me?
(Disfarçando o olhar para o céu.) _ Disfarça, meu bem. (Pausa.) – Estás
Benvinda
é verdade o que o sinhô disse na sua carta...
(Disfarçando e olhando também para o céu.) – Sim, sinhô, mas eu quero sabê se
Figueiredo
passam todos lá por casa? As senhoras estão boas?
(Disfarçando por ver um conhecido que passa e o cumprimenta.) – Como
Benvinda
com enxaqueca.
(Compreendendo.) – Boas, muito obrigado... Sinhá Miloca é que tem andado
Figueiredo
(À parte.) – Fala mal, mas é inteligente.
Benvinda
– O sinhô me dá memo casa pra mim morá?
Figueiredo
(
a minha roupa lavada?
– Uma casa muito chique, muito bem mobiliada, e uns vestidos muito bonitos. Passa outro conhecido. O mesmo jogo de cena.) – Mas por que esta demora com
Benvinda
nada?
– É porque choveu munto... não se pôde corá... (Outro tom.) Não me fartará
Figueiredo
conhecida, e eu não quero que me vejam contigo enquanto não tiveres outra
encadernação. Acompanha-me e toma o mesmo bonde que eu. (
pela direita e Benvinda também
(
– Nada! Não te faltará nada! Mas aqui não podemos ficar. Passa muita gente Vai se afastando .) Espera um pouco, para não darmos na vista. Passa um conhecido.) Adeus, hein? Lembranças à Baronesa.
Benvinda
pela direita. Durante a fala que se segue, Rodrigues a pouco e pouco se aproxima
de Benvinda
Ah! seu Borge! Seu Borge! Você abusou proque era feitô lá da fazenda; fez o que
fez e me prometeu casamento... Mas casará ou não? Sinhá e nhanhã ontem ficá
danada... Pois que fique!... Quero a minha liberdade! (
que tomou Figueiredo e é abordada pelo Rodrigues, que não a tem perdido de
vista um momento
– Sim, sinhô, farei presente. (Figueiredo afasta-se, disfarçando e desaparece .) Ora! isto sempre deve sê mió que aquela vida enjoada lá da roça! Vai afastar-se na direção .)
Rodrigues
– Adeus, mulata!
Benvinda
– Viva!
Rodrigues
(Disfarçando.) – Dá-me uma palavrinha?
Benvinda
– Agora não posso.
Rodrigues
homem que é todo família...
– Olhe, aqui tem o meu cartão... Se precisar de um homem sério... de um
Benvinda
farta é home... Assim queira uma muié... (
(Tomando disfarçadamente o cartão.) – Pois sim. (Saindo, à parte) – O que não Sai.)
Rodrigues
(
desaparece
-
Lola, Mercedes, Blanchette, Dolores, Gouveia, Pessoas do Povo
(Consigo.) – Sim... lá de vez em quando... para variar... não quero dizer que... Outro tom.) E o maldito bonde que não chega! (Afasta-se pela direita e .) Cena III –
(
Gouveia quase à força
As quatro mulheres entram da esquerda, trazendo .)
Quinteto
As mulheres
Ande pra frente,
Faça favor!
Está filado,
Caro senhor!
Queria ou não queira,
Daqui não sai!
Janta conosco!
Conosco vai!
Lola
Há tantos dias
Tu não me vias,
E agora qu’rias
Deixar-me só!
A tua Lola,
Meu bem, consola!
Dá-me uma esmola!
De mim tem dó!
As outras
Há tantos dias
Tu não a vias,
E agora qu’rias
Deixá-lo só!
A tua Lola,
Meu bem, consola!
Dá-lhe uma esmola!
Tem dó, tem dó!
Gouveia
Não me aborreçam!
Não me enfureçam!
Desapareçam!
Quero estar só!
Isto me amola!
Perco esta bola!
Querida Lola,
De mim tem dó!
Lola
Ingrato – já não me queres!
Tu já não gostas de mim!
Gouveia
São terríveis as mulheres!
Gosto de ti, gosto, sim!
Mas não serve este lugar
Pra tais assuntos tratar!
Lola
Então daqui saiamos!
Vamos!
Todas
Vamos!
Há tantos dias, etc...
Lola
- Vamos a saber: por que não tens aparecido?
Gouveia
– Tu bem saber por quê.
Lola
– A primeira dúzia falhou?
Gouveia
abandonado noite e dia! Não vês como estou pálido? Como tenho as faces
desbotadas e os olhos encovados? É porque já não durmo, é porque já me não alimento, é porque não penso noutra coisa que não seja a roleta!
– Oh! Não! Ainda não falhou, graças a Deus, e por isso mesmo é que não a tenho
Lola
mesmo exijo que venhas jantar hoje comigo, quero dizer, conosco, porque, como
vês, terei à mesa estas amigas, que tu conheces: a Dolores, a Mercedes e a
Blanchette.
– Mas é preciso que descanses, que te distraias, que espaireças o espírito. Por isso
As Três
– Então, Gouveia? Venha, venha jantar!...
Gouveia
– Já deve Ter começado a primeira banca!
Lola
dúzia.
– Deixa lá a primeira banca! Tenho um pressentimento de que hoje não dá a primeira
Gouveia
Largo da Carioca!
(Esquivando-se.) – Que é isto? Vocês estão doidas! Reparem que estamos no
Lola
– Vem! Não te faças de rogado!
As Três
(Implorando.) – Gouveia!...
Gouveia
– Pois sim, vamos lá! Vocês são o diabo!
Lola
– Ai! E o meu leque?! Trouxeste-o, Dolores?
Dolores
– Não.
Blanchette
– Nem eu.
Mercedes
– Tu deixaste-o ficar sobre a mesa, no Braço de Ouro.
Gouveia
– Que foi?
Lola
o perdi?
– Um magnífico leque, comprado, não há uma hora, no Palais-Royal! Querem ver que
Gouveia
Ouvidor, és capaz de encontrar lá algum amigo que leve para o jogo.
– Pois sim, faze-me esse favor. (Arrependendo-se.) Não! se tu vais à Rua do
Mercedes
– E esta é a hora do recrutamento.
Lola
um instante.
– Vamos nós mesmas buscar o leque. Fica tu aqui muito quietinho à nossa espera. É
Gouveia
Lola
-
– Vamos! (
– Pois vão e voltem. Sai com as três amigas.) Cena IV
Gouveia,
Gouveia
felicidade, talvez seja uma providência lá não ir hoje. (
acompanhado pela família, e, ao ver Gouveia, solta um grande grito
depois, Eusébio, Fortunata, Quinota e Juquinha – Com esta não contava eu. Daí – quem sabe? – como ando em maré de Eusébio entra descuidado .)
Eusébio
Gouveia
– Oh!seu Gouveia! (Chamando.) Dona Fortunata!... Quinota!... (Cercam .)
As Senhoras e Juquinha
– Oh! seu Gouveia! (Apertam-lhe a mão.)
Eusébio
– Seu Gouveia! ( Abraça-o . )
Gouveia
Maldito encontro!...
(Atrapalhado.) – Sr. Eusébio... Minha senhora... Dona Quinota... (À parte.)
Quarteto
Eusébio, Fortunata, Quinota
e Juquinha
Seu Gouveia, finalmente,
Seu Gouveia apareceu!
Seu Gouveia está presente!
Seu Gouveia não morreu!
Eusébio
Andei por todas as rua,
Toda a cidade bati;
Mas de tê notícias sua
As esperança perdi!
Quinota
Mas ao meu anjo da guarda
Em sonhos dizer ouvi:
Sossega, que ele não tarda
A aparecer por aí!
Todos
– Seu Gouveia, finalmente, etc...
Fortunata
namorá Quinota. Pediu ela em casamento, veio se embora dizendo que vinha tratá
dos papé, e nunca mais deu siná de si! Isto se faz, seu Gouveia?
– Ora, seu Gouveia! O sinhô chegou lá na fazenda feito cometa, e começou a
Quinota
– Mamãe...
Eusébio
dromia, nem nada, nós arresorvemo vi le procurá... porque le escrevi três carta que
ficou sem resposta...
– Como Quinota andava apaixonada, coitadinha! Que não comia, nem bebia, nem
Gouveia
– Não recebi nenhuma.
Eusébio
e aqui estemo!
Fortunata
soubé sê pai, aqui estou eu que hei de sabê sê mãe!
– O sinhô sabe que com moça de família não se brinca... Se seu Eusébio não
– Então entreguei a fazenda a seu Borge, que é home em que a gente pode confiá,
Quinota
– Mamãe, tenha calma... seu Gouveia é um moço sério...
Gouveia
plenamente o meu silêncio. Espero ser perdoado.
– Obrigado, Dona Quinota. Sou, realmente, um moço sério, e hei de justificar
Quinota
– Eu há muito tempo lhe perdoei.
Gouveia
(À parte.) – Está ainda muito bonita! (Alto) Onde moram?
Eusébio
– No Grande Hoté da Capitá Federá.
Gouveia
(À parte.) – Oh! Diabo! No meu hotel!!... Mas eu nunca os vi!
Quinota
–Mas andamos à procura de casa: não podemos ficar ali.
Fortunata
– É muito caro.
Gouveia
– Sim, aquilo não convém.
Eusébio
– Mas é muito difice achá casa. Uma agência nos indicou uma, na Praia Fermosa...
Fortunata
– Que chiqueiro, seu Gouveia!
Eusébio
– Paguemo cinco mil-réis pra nos enchê de purga!
Quinota
– E era muito longe.
Gouveia
– Descansem, há de se arranjar casa. (À parte.) – E a Lola não tarda!
Eusébio
– Como diz?
Gouveia
– Nada... Mas, ao que vejo, veio toda a família?
Eusébio
– Toda! – Dona Fortunata... Quinota ... o Juquinha...
Juquinha
– A Benvinda.
Eusébio
– Ah! É verdade! nos aconteceu uma desgraça!
Fortunata
– Uma grande desgraça!
Gouveia
– Que foi? Ah! Já sei... o senhor foi vítima do conto do vigário!
Eusébio
– Eu?... Então eu sou argum matuto?... Não sinhô, não foi isso.
Juquinha
– Foi a Benvinda que fugiu.
Quinota
– Cale a boca!
Juquinha
– Fugiu dum home!
Eusébio
– Cala a boca, menino!
Juquinha
– Foi Quinota que disse!
Fortunata
– Cala a boca, diabo!
Eusébio
– O sinhô se lembra da Benvinda.
Fortunata
– Aquela mulatinha? Cria da fazenda?
Gouveia
– Lembra-me.
Eusébio
– Hoje de menhã, a gente se acorda-se... precura...
Fortunata
– Quê dê Benvinda?
Gouveia
– Pode ser que ainda a encontrem.
Fortunata
– Mas em que estado, seu Gouveia!
Eusébio
– E seu Borge já esta arresorvido a casá com ela... Mas não fiquemo aqui...
Gouveia
(Inquieto.) – Sim, não fiquemos aqui.
Eusébio
que não sei sê pai... Quero sabê se o sinhô está ou não está disposto a cumprir o que
tratou!
– Temo muito que conversá, seu Gouveia. Não quero que Dona Fortunata diga
Gouveia
– Certamente. Se Dona Quinota ainda gosta de mim...
Quinota
( Baixando os olhos.) – Eu gosto.
Gouveia
– Mas vamos! Em caminho conversaremos. São contos largos!
Eusébio
Eusébio
iria! (
– No hotel? Não! A linha está interrompida. (
– Vamos jantá lá no hoté. À parte.) Era o que faltava! Ela lá Alto.) Vamos ao Internacional.
Eusébio
– Onde é isso?
Gouveia
– Em Santa Teresa. Toma-se aqui o bonde elétrico.
Fortunata
– O tá que vai pro cima do arco?
Gouveia
– Sim, senhora.
Fortunata
– Xi!
Gouveia
– Não há perigo. Mas vamos! Vamos! (Dá o braço a Quinota.)
Fortunata
(Querendo separá-los.) – Mas...
Eusébio
Sabará.
– Deixe. Isto aqui é moda. A senhora se alembre que não estamo em S. João do
Juquinha
– Eu quero i co Quinota!
Fortunata
– Principia! Principia! Que menino, minha Nossa Senhora!
Gouveia
(Vendo Lola.) – Ela. Vamos! Vamos! (Retira-se precipitadamente.)
Eusébio
– Espere aí, seu Gouveia! Ande, Dona Fortunata!
Juquinha
-
(Chorando.) – Eu quero i co Quinota! (Saem todos a correr pela direita.) Cena V
Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, Rodrigues, Pessoa do Povo
Lola
teve mão em si e lá se foi para o jogo!
– Então? O Gouveia? Não lhes disse? Bem me arrependi de o Ter deixado ficar! Não
Mercedes
– Que tratante!
Dolores
– Que malcriado!
Blanchette
– Que grosseirão!
Lola
– E nada de bondes!
Mercedes
– Que fizeste do teu carro?
Lola
pontinha de dor de cabeça?
– Pois não te disse já que o meu cocheiro, o Lourenço, amanheceu hoje com uma
Blanchette
(Maliciosa.) – Poupas muito o teu cocheiro.
Lola
Olá, como vai você?
– Coitado! É tão bom rapaz! (Vendo Rodrigues que se tem aproximado aos poucos.)
Rodrigues
espanhol! A Dolores... a Mercedes... a Blanchette... Viva la gracia!
(Disfarçando.) – Vou indo, vou indo... Mas que bonito ramilhete franco-
Lola
(Às outras.) – Uma idéia, uma fantasia: vamos levar este tipo para jantar conosco?
As Outras
– Vamos! Vamos!
Blanchette
– Substituirá o Gouveia! Bravo!
Lola
espanhol!!
( A Rodrigues.) – Você faz-nos um favor? Venha jantar com ramilhete franco-
Rodrigues
– Eu?! Não posso, filha: tenho a família à minha espera.
Lola
– Manda-se um portador à casa com esses embrulhos.
Mercedes
– os embrulhos ficam, se é coisa que se coma.
Rodrigues
– Vocês estão me tentando, seus demônios !
Lola
– Vamos! Anda! Um dia não são dias!
Rodrigues
– Eu sou um chefe de família!
Todas
Rodrigues
cocheiro levará depois um recado à minha santa esposa... disfarcemos... Vou alugar
o carro. (
– Ora adeus! Vamos! (
– Não faz mal! Olhando para a esquerda.) Ali está um carro. O próprio Sai.)
Todas
– Vamos! (Acompanham-no.)
Pessoas do Povo
na orquestra até o fim do ato. Mutação
– Lá vem afinal um bonde! Tomemo-lo! Avança! (Correm todos. Música .)
Quadro IV
(
bonde entre outros passageiros, Eusébio, Gouveia, D. Fortunata, Quinota e Ju-
quinha. Ao passar o bonde em frente ao público, Eusébio levanta-se entusias -
mado pela beleza do panorama
A passagem de um bonde elétrico sobre os arcos. Vão dentro do .)
Eusébio
– Oh! A Capitá Federá! A Capitá Federá!...
PANO
Ato II
Quadro V
O Largo de São Francisco
-
Cena I
Benvinda, Pessoas do Povo
, depois Figueiredo
(
Benvinda está exageradamente vestida à última moda e cercada por muitas pessoas do povo, que lhe fazem elogios irônicos.)
Coro
Ai, Jesus! Que mulata bonita!
Como vem tão janota e faceira!
Toda a gente por ela palpita!
Ninguém há que adorá-la não queira!
Ai, mulata!
Não há peito que ao ver-te não bata!
Benvinda
Vão andando seu caminho,
Deixe a gente assossegada!
Coro
Pára ao menos um instantinho!
Não te mostres irritada!
Benvinda
Gentes! Meu Deus! Que maçada!
Coro
Dize o teu nome, benzinho!
Coplas
Benvinda
Meu nome não digo!
Não quero, aqui está!]
Não bulam comigo!
Me deixem passar!
Jesus! Quem me acode?
Já vejo que aqui
As moça não pode
Sozinha saí!
Sai da frente,
Minha gente!
Sai da frente pro favô!
Tenho pressa!
Vou depressa!
Vou pra Rua do Ouvidô!
Coro
Sai da frente!
Minha gente!
Sai da frente pro favô!
Vai com pressa!
Vai depressa!
Vai à Rua do Ouvidor.
Benvinda
Não digo o meu nome!
Não tou de maré!
Diabo dos home
Que insurta as muié!
Quando eu vou sozinha,
Só ouço, dizê:
"Vem cá, mulatinha,
Que eu vou com você!"
Sai da frente, etc...
Coro
Sai da frente, etc...
(
Figueiredo
Meus senhores, que é isto?
Perseguição assim é caso nunca visto!...
Mas saibam que esta fazenda
Tem um braço que a defenda!
Figueiredo aparece e coloca-se ao lado de Benvinda.)
Benvinda
Seu Figueiredo
- Eu tava aqui com muito medo!
Coro
(
Este é o marchante...
Deixá-los, pois, no mesmo instante!
Provavelmente o tipo é tolo,
E há de querer armar um rolo!
(
Feliz mortal, parabéns
Pelo tesouro que tens!
Ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!
Mulher mais bela aqui não há!
(
pessoas do povo
-
À meia voz.) À toda voz, cumprimentando ironicamente Figueiredo.) Todos se retiram. Durante as cenas que seguem, até o fim do quadro, passam .) Cena II
Figueiredo, Benvinda
Figueiredo
(Repreensivo.) – Já vejo que há de ser muito difícil fazer alguma coisa de ti!
Benvinda
– Eu não tenho curpa que esse diabo...
Figueiredo
Esse chapéu é descomunal!
(Atalhando.) – Tens culpa, sim! Em primeiro lugar, essa toalete é escandalosa!
Benvinda
– Foi o sinhô que escolheu ele!
Figueiredo
– Escolhi mal! Depois, tu abusas do face-en-main!
Benvinda
– Do... do quê?
Figueiredo
todo o instante... (
sirvas disso lá uma vez por outra, e assim, olha, assim, com certo ar de sobranceria.
(
– Disto, da luneta! Em francês chama-se face-en-main. Não é preciso estar a Faz o gesto de quem leva aos olhos o face-en-main.) Basta que te Indica.) E não sorrias a todo instante, como uma bailarina... A mulher que sorri sem cessar é como o pescador quando atira a rede: os homens vêm aos cardumes, como ainda agora! – E esse andar? Por que gingas tanto? Por que te remexes assim?
Benvinda
Estes diabo é que intica comigo. – Vem cá, mulatinha! Meu bem, ouve aqui uma
coisa!
(Chorosa.) – Oh! Meu Deus! Eu ando bem direitinha... não olho pra ninguém...
Figueiredo
um ponto fixo, como os acrobatas, que andam na corda bamba... Olha, eu te
mostro... Faze de conta que eu sou tu e estou passando... Tu é um gaiato e me dizes
uma gracinha quando eu passar por ti. (
muito sério
– Pois não respondas! Vai olhando sempre para a frente! Não tires os olhos de Afasta-se, e passa pela frente de Benvinda .) Vamos, dize alguma coisa!...
Benvinda
– Dizê o quê?
Figueiredo
Aonde vai com tanta pressa! Olha o lenço caiu!
(À parte.) – Não compreendeu! (Alto.) Qualquer coisa! Adeus, meu bem!
Benvinda
– Ah! Bem!
Figueiredo
– Vamos, outra vez. ( Repete o movimento.)
Benvinda
– Adeus, seu Figueiredo.
Figueiredo
nome de guerra.
– Que Figueiredo! Eu agora sou Benvinda! E a propósito: hei de arranjar-te um
Benvinda
– De guerra? Uê!...
Figueiredo
Mas não se trata agora disso. Vou passar de novo. Não te esqueças de que eu sou tu.
Já compreendeste?
– Sim, um nome de guerra. É como se diz. Benvinda é nome de preta velha.
Benvinda
– Já, sim sinhô.
Figueiredo
– Ora muito bem! – Lá vou eu. (Repete o movimento.)
Benvinda
(Enquanto ele passa.) – Ouve uma coisa, mulata! Vem cá, meu coração!...
Figueiredo
olhar de mãe de família! E diante desse olhas, o mais atrevido se desarma! –
Vamos! Anda um bocadinho até ali! Quero ver se aprendeste alguma coisa!
(Que tem passado imperturbável.) – Viste? Não se dá troco! Arranja-se um
Benvinda
– Sim sinhô. (Anda.)
Figueiredo
todos os lados! Assim, olha... (
imperceptível dos quadris...
– Que o quê! Não é nada disso! Não é preciso fazer projeções do holofote para Anda.) Um movimento gracioso e quase
Benvinda
(Rindo.) – Que home danado!
Figueiredo
desse ponto, que é essencial. Por enquanto o melhor que tens a fazer é abrir a boca o
menor número de vezes possível, para não dizeres home em vez de homem e
quejandas parvoíces... Não há elegância sem boa prosódia – Aonde ias tu?
– É preciso também corrigir o teu modo de falar, mas a seu tempo trataremos
Benvinda
– Ia na Rua do Ouvidô.
Figueiredo
apesar da carestia geral, eles não aumentarão de preço. E sibila bem os esses –
Assim... Bom. Vai e até logo! Mas vê lá: nada de olhadelas, nada de respostas! Vai!
(Emendando.) – Ouvidorr... Ouvidorr... Não faças economia nos erres, porque
Benvinda
– Inté logo.
Figueiredo
Tem muita graça de vez em quando uma palavra ou uma expressão francesa.
– Que inté logo! Até logo é que é! Olha, em vez de inté logo, dize: Au revoir!
Benvinda
– Ô revoá!
Figueiredo
Agora foi demais! Ai! (
me deu tanto trabalho! Não pode estar ao pé de gente! (
cena; vendo Figueiredo encaminha-se para ele
-
– Antes isso! (Benvinda afasta-se.) Não te mexa tanto, rapariga! Ai! Isso! Benvinda desaparece.) De quantas tenho lançado, nenhuma Lola vai atravessando a .) Cena III
Figueiredo, Lola
Lola
– Oh! Estimo encontrá-lo! Pode dar-me uma palavra?
Figueiredo
– Pois não, minha filha!
Lola
– Não o comprometo?
Figueiredo
– De forma alguma! Vossemecê já está lançada!
Lola
– Como?
Figueiredo
– Vossemecês só envergonham a gente antes de lançadas.
Lola
– Não entendo.
Figueiredo
– Nem é preciso entender. Que desejava?
Lola
– Lembra-se de mim?
Figueiredo
Capital Federal.
– Perfeitamente. Encontramo-nos um dia no vestíbulo do Grande Hotel da
Lola
bonito... oh! não! mas é muito insinuante.
( Apertando-lhe a mão.) – Nunca mais me esqueci da sua fisionomia. O senhor não é
Figueiredo
(Modestamente.) – Oh! filha! ...
Lola
– lembra-se do motivo que me levava àquele hotel?
Figueiredo
dúzia.
– Lembra-me. Vossemecê ia à procura de um moço que apontava na primeira
Lola
Capital Federal que me atrevo a pedir-lhe uma informação.
– Vejo que tem boa memória. Pois é na sua qualidade de hóspede do Grande Hotel da
Figueiredo
quer? – Não me levavam o café ao quarto às sete horas em ponto! – Entretanto, se for coisa que eu saiba...
– Mas eu há muitos dias já lá não moro! Era um bom hotel, não nego, mas que
Lola
–Queria apenas que me desse notícias do Gouveia.
Figueiredo
– Do Gouveia?
Lola
– O tal da primeira dúzia.
Figueiredo
– Mas eu não o conheço.
Lola
– Deveras?
Figueiredo
– Nunca o vi mais gordo!
Lola
– Que pena! Supus que o conhecesse!
Figueiredo
– Pode ser que o conheça de vista, mas não ligo o nome à pessoa.
Lola
três dias não aparece cá! Um inferno!...
– Tenho-o procurado inúmeras vezes no hotel... e não há meio ! Não está! Saiu! Há
Figueiredo
– Continua a amá-lo?
Lola
não tinha ainda falhado; mas como não o vejo há muitos dias, receio que a sorte
afinal se cansasse.
– Sim, continuo, porque a primeira dúzia, pelo menos até a última vez que lhe falei,
Figueiredo
– Então o seu amor regula-se pelos caprichos da bola da roleta?
Lola
– É como diz. Ah! Eu cá sou franca!
Figueiredo
– Vê-se!
Coplas
Lola
Este afeto incandescente
Pela bola se regula
Que vertiginosamente
Na roleta salta e pula!
Figueiredo
Vossemecê o moço estima
Dando a bola de um a doze;
Mas de treze para cima
Ce n’est pas la même chose!
- II –
É Gouveia um bom pateta
Se supõe que inda o quisesse
Quando a bola da roleta
A primeira já não desse!
-
I
Figueiredo
A mulata brasileira
De carinhos é fecunda,
Embora dando a primeira,
Embora dando a segunda!
Lola
– E, por outro lado, ando apreensiva...
Figueiredo
– Por quê?
Lola
nem ao menos sabe o seu nome.
– Porquê... O senhor não estranhe estas confidências por parte de uma mulher que
Figueiredo
– Figueiredo...
Lola
senhor.
- Mas, como já disse, a sua fisionomia é tão insinuante... simpatizo muito com o
Figueiredo
minha especialidade ... (
– Creia que lhe pago na mesma moeda. Digo-lhe mais: se eu não tivesse a À parte.) Deixem lá! Se o moreno fosse mais carregado...
Lola
com uma família que pelos modos parecia gente da roça... e ele conversava muito
com uma moça que não era nada feia... Tenho eu que ver se o tratante se apanha com uma boa bolada arranja casório e eu fico a chuchar o dedo!
– Ando apreensiva porque a Mercedes me contou que há dias viu o Gouveia no teatro
Figueiredo
(À parte.) – Ela exprime-se com muita elegância!
Lola
– Dos homens tudo há que esperar!
Figueiredo
– Tudo, principalmente quando dá a primeira dúzia.
Lola
(Estendendo a mão que ele aperta.) – Adeus, Figueiredo.
Figueiredo
– Adeus... Como te chamas?
Lola
– Lola.
Figueiredo
– Adeus, Lola.
Lola
(Com uma idéia.) – Ah! uma coisa: você é homem que vá a uma festa?
Figueiredo
– Conforme.
Lola
– Eu faço anos sábado...
Figueiredo
– Este agora?
Lola
–Não; o outro.
Figueiredo
– Sábado de aleluia?
Lola
Figueiredo
– Bravo! Não faltarei!
– Sábado de aleluia, sim. Faço anos e dou um baile à fantasia.
Lola
– Contanto que vá fantasiado! Se não vai, não entra!
Figueiredo
– Irei fantasiado.
Lola
– Aqui tem você a minha morada. ( Dá-lhe um cartão.)
Figueiredo
– Aceito com muito prazer, mas olhe que não vou sozinho...
Lola
– Vai com quem quiseres.
Figueiredo
ocasiões como essa para civilizar-se.
– Levo comigo uma trigueira que estou lançando, e que precisa justamente de
Lola
e não repara nela
– Aquela casa é tua, meu velho! (Vendo Gouveia que entra do outro lado, cabisbaixo, .) Olha quem vem ali!
Figueiredo
– Quem?
Lola
– Aquele é que é o Gouveia.
Figueiredo
– Ah! é aquele?.... Conheço-o de vista... É um moço do comércio.
Lola
Querem ver que a primeira dúzia...
– Foi. Hoje não faz outra coisa senão jogar. Mas como está cabisbaixo e pensativo!
Figueiredo
– Adeus! Deixo-te com ele. Até sábado de aleluia!
Lola
– Não faltes, meu velho! (Apertam-se as mãos.)
Figueiredo
-
Lola, Gouveia
Gouveia
Consultei hoje a escrita: pedi em noventa e cinco bolas o que tinha ganho em perto de mil e duzentas! Decididamente aquele famoso padre do Pará tinha razão quando dizia que não se deve apontar a roleta nem com o dedo, porque o próprio dedo pode lá ficar!
(À parte.) – Dir-se-ia que andamos juntos na escola! ( Sai.) Cena IV – (Descendo cabisbaixo ao proscênio.) –Há três dias dá a segunda dúzia...
Lola
(À parte, do outro lado.) – Fala sozinho!
Gouveia
neste instante da casa do judeu. É sempre pelas jóias que começa a esbodegação...
– Hei de achar a forra! O diabo é que fui obrigado a pôr as jóias no prego. Venho
Lola
(À parte.) – Continua... Aquilo é coisa...
Gouveia
soubesse! Ela, tão simples, tão ingênua, tão sincera!
– Com certeza vão dar por falta dos meus brilhantes... Pobre Quinota! Se ela
Lola
(Aproximando-se inopinadamente) – Tu estás maluco?
Gouveia
– Heim?... Eu... Ah! és tu? Como vais?...
Lola
– Estavas falando sozinho?
Gouveia
– Fazendo uns cálculos...
Lola
– Aconteceu-te alguma coisa desagradável? Tu não estás no teu natural!
Gouveia
estava aqui planejando deixar hoje a primeira dúzia e atacar dois esguichos, o
esguicho de 7 a 12 e o esguicho de 25 a 30, a dobrar, a dobrar!
– Sim... aconteceu-me... fui roubado... um gatuno levou as minhas jóias... e eu
Lola
(Num ímpeto.) – A primeira dúzia falhou?
Gouveia
ela me abandonasse.
– Falhou... ( A gesto de Lola.) Mas descansa: eu já a tinha abandonado antes que
Lola
– Tens então continuado a ganhar?
Gouveia
Lola
– Ainda bem, porque sábado de aleluia faço anos...
– Escandalosamente!
Gouveia
– É verdade... fazes anos no sábado de aleluia...
Lola
dizem-me que lá nem apareces!
– É preciso gastas muito dinheiro! Tenho te procurado um milhão de vezes! No hotel
Gouveia
– Exageração.
Lola
Pedro? Uma família da roça?
– E outra coisa: quem era uma família com quem estavas uma noite destas no S.
Gouveia
– Quem te disse?
Lola
–Disseram-me. Que gente é essa?
Gouveia
– Uma família muito respeitável que eu conheci quando andei por Minas.
Lola
– Gouveia, Gouveia, tu enganas-me!
Gouveia
– Eu? Oh! Lola! Nunca te autorizei a duvidares de mim!...
Lola
(
– Nessa família há uma moça que... Oh! o meu coração adivinha uma desgraça, e ... Desata a chorar.)
Gouveia
pressentimento assim! (
( À parte.) – É preciso, realmente, que ela me ame muito, para ter um Alto.) Então? Que é isso? Não chores! Vê que estamos na rua!...
Lola
(À parte.) – Pedaço d’asno!
Gouveia
– Eu irei logo lá à casa, e conversaremos.
Lola
desapareces como aquela vez, no Largo da Carioca!
– Não! não te deixo! Hás de ir agora comigo, hás de acompanhar-me, senão
Gouveia
– Mas...
Lola
– Ou tu me acompanhas, ou dou um escândalo!
Gouveia
– Bom, bom, vamos. Tens aí o carro?
Lola
sei que tu tens vergonha de andar comigo em público, mas isso são luxos que deves perder!
– Não, que o Lourenço, coitado, foi passar uns dias em Caxambu. Vamos a pé. Bem
Gouveia
– Vamos! (À parte.) Hei de achar meio de escapulir...
Lola
outro lado Eusébio, Fortunata e Quinota, que os vêem sem serem vistos por eles
-
Eusébio, Fortunata, Quinota
Fortunata
aquela noite no jardim do Recreio! (
– Vamos (À parte.) Ou eu me engano, ou está liquidado! (Afastam-se. Entram pelo .) Cena V – – Olhe. Lá vai! É ele! É seu Gouveia com a mesma espanhola com quem estava Correndo a gritar.) – Seu Gouveia! Seu Gouveia!...
Eusébio
muié!...
(Agarrando-a pela saia.) – Ó senhora! Não faça escândalo! Que maluquice de
Quinota
(Abraçando o pai, chorosa.) – Papai, eu sou muito infeliz!
Eusébio
– Aqui está! É o que a senhora queria!]
Fortunata
nossa filha e anda por toda a parte cuma pilantra!
– Aquilo é um desaforo que eu não posso admiti! O diabo do home é noivo de
Eusébio
Coitadinha! Chorando! (
Quinota
– Eu gosto tanto daquele ingrato!
– Que pelintra, que nada!... Não acredita, fia da minha bença. É uma prima dele. Beija-lhe os olhos.)
Eusébio
– Ele também gosta de ti... e há de casá contigo... e há de sê um bom marido!
Fortunata
quaqué, seu Eusébio – senão, faço uma estralada!...
(Puxando Eusébio de lado.) – É perciso que você tome uma porvidência
Eusébio
Agora mesmo vou procurá ela. Vá as duas. Vá para casa! Eu já vou.
(Baixo.) – Descanse... Eu já tomei informação... Já sei onde mora essas espanhola...
Fortunata
– E Juquinha? Por onde anda aquele menino?
Eusébio
andá naquela coisa... Cumo chama?
– Deixe, que o pequeno não se perde... Está lá no tal Belódromo, aprendendo a
Quinota
– Bicicleta.
Eusébio
– É. – Diz que é bom pra desenvorvê os músquios!
Fortunata
– Desenvorvê a vadiação, é que é!
Quinota
– Ele é tão criança!
Eusébio
– Deixa o menino se adiverti. – Vão pra casa.
Quinota
– Lá vamos para aquele forno!
Eusébio
contentá c’aquele sote.
– Tem paciência, Quinota! Enquanto não se arranja coisa mió, a gente deve se
Fortunata
– Vamo, Quinota!
Quinota
– Não se demore, papai!
Eusébio
– Não.
Fortunata
senhoras até o bastidor e, voltando-se, vê pelas costas Benvinda
-
Eusébio, Benvinda
Benvinda
(Saindo.) – Eu tô mas é doida pra me apanhá na fazenda! ( Eusébio leva ase .) Cena VI – (Consigo.) – Parece que assim o meu andá tá direito...
Eusébio
(Consigo.) – Xi que tentação! (Seguindo Benvinda.) Psiu!... Ó Dona... Dona!...
Benvinda
(À parte.) – Esta voz... (Volta-se.) Sinhô Eusébio!
Eusébio
– Benvinda!...
Benvinda
(Assentando o face-en-main.) – Ó revoá.
Eusébio
– A mulata de luneta, minha Nossa Senhora! Este mundo tá perdido!...
Benvinda
ordes!
( Dando-se ares e sibilando os esses.) – Deseja alguma coisa? Estou as suas
Eusébio
me conta tua vida!
– Ah! ah! ah! que mulata pernóstica! Quem havia de dizê! Vem cá, diabo, vem cá;
Benvinda
(Mudando de tom.) – Vam’cê não tá zangado comigo?
Eusébio
gente... Dona Fortunata não te perdoa! E seu Borge, quando soubé, há de ficá
danado, porque ele gosta de ti.
– Eu não! Tu era senhora do teu nariz! O que tu podia tê feito era se despedi da
Benvinda
– Se ele gostasse de mim, tinha se casado comigo.
Eusébio
– Ele um dia me deu a entendê que se eu te desse um dote...
Benvinda
– Vamcês ainda mora no hoté?
Eusébio
– Não. Nós mudemo para um sote da Rua dos Inválido. Paguemo sessenta mil-réis.
Benvinda
Eusébio
– Apareceu e tudo tá combinado... (
– Seu Gouveia já apareceu? À parte.) O diabo é a espanhola!
Benvinda
– Sinhá? nhãnhã? nhô Juquinha? tudo tá bom?
Eusébio
– Tudo! Tudo tá bom!
Benvinda
menino...
– Nhô Juquinha eu vejo ele às vez passá na Rua do Lavradio... com outros
Eusébio
adiante, que a gente trepa em cima e tem um nome esquisito...
– Tá aprendendo a andá no... n... nesses carro de duas roda, uma atrás outra
Benvinda
– Eu sei.
Eusébio
– E tu, mulata?
Benvinda
– Eu tô com seu Figueiredo.
Eusébio
– Sei lá quem é seu Figueiredo.
Benvinda
face-en-main
– Tou morando na Rua do Lavradio, canto da Rua da Relação. (Assentando o .) Se quisé aparecê não faça cerimônia. ( Sai requebrando-se.) Ó revoá!
Eusébio
-
Eusébio, depois Juquinha
Eusébio
bastava um dote, quaqué coisa... dois ou três conto de réis... mas deixa está: ele não
sabe de nada, e tarvez que a coisa ainda se arranje. Quem não sabe é como quem
não vê. (
vem cá!
– Aí, mulata! Cena VII – – O curpado fui eu... Quando me alembro que seu Borge queria casá com ela... Vendo passar Juquinha montado numa bicicleta.) Eh! Juquinha... Menino,
Juquinha
– Agora não posso, não, sinhô! (Desaparece.)
Eusébio
– Ah! menino! Espera lá! (Corre atrás do Juquinha. Gargalhada dos circunstantes. Mutação.)
Quadro VI
Saleta em casa de Lola
Lola e Gouveia
-
Cena I –
(
vem vestido de Mefistófeles
Lola entra furiosa. Traz vestida uma elegante bata. Gouveia acompanha-a .)
Lola
revelação! Devia esperar pelo menos que acabasse o baile! Com que mau humor
vou agora receber os meus convidados! (
– Não! isto não se faz! E o senhor escolheu o dia dos meus anos para me fazer essa Caindo numa cadeira.) Oh! os meus pressentimentos não me enganavam!...
Gouveia
me com a família de minha noiva e não posso faltar à minha palavra!
- Esse casamento é inevitável; quando estive em S. João do Sabará, comprometi-
Lola
– Mas por que não me disse nada? Por que não foi franco?
Gouveia
saudades minhas, e tanto fez, tanto chorou, que o pai se viu obrigado a vir procurar-me! Como vês, é uma coisa séria!
- Supus que essa dívida tivesse caído em exercícios findos; mas a pequena teve
Lola
casamento? Que idéia é essa de se casar agora que está bem, que tem sido feliz no
jogo? E eu? Que papel represento eu em tudo isto?
– Mas o senhor não pode procurar um subterfúgio qualquer para evitar esse
Gouveia
(
(Puxando uma cadeira.) – Lola, vou ser franco, vou dizer-te toda a verdade. Senta-se.) Há muito tempo não faço outra coisa senão perder... O outro dia tive uma aragem passageira, um sopro de fortuna, que serviu apenas para pagar as despesas da tua festa de hoje e mandar fazer esta roupa de Mefistófeles! Estou completamente perdido! As minha jóias não foram roubadas, como eu te disse. Deitei-as no prego e vendi as cautelas. Para fazer dinheiro, eu, que aqui vês coberto de seda, tenho vendido até a roupa do meu uso... nessas casas de jogo já não tenho a quem pedir dinheiro emprestado. Os banqueiros olham-me por cima dos ombros, porque eu tornei-me um piaba... Sabes o que é uma piaba? É um sujeito que vai jogar com muito pouco bago. Estou completamente perdido!
Lola
(Erguendo-se.) – Bom. Prefiro essa franqueza. É muito mais razoável.
Gouveia
(Erguendo-se.) – Esse casamento é a minha salvação; eu...
Lola
quanto antes melhor...
– Não precisa dizer mais nada. Agora sou eu a primeira a aconselhar-te que te cases, e
Gouveia
- Mas, minha boa Lola, eu sei que com isso vais padecer bastante, e...
Lola
saíste um grande tolo! Pois entrou-te na cabeça que eu algum dia quisesse de ti outra coisa que não fosse o teu dinheiro?
– Eu? Ah! ah! ah! ah!... Sé esta me faria rir!... Ah! ah! ah! ah!... Sempre me
Gouveia
(Horrorizado.) – Oh!
Lola
– E realmente supunhas que eu te tivesse amor?
Gouveia
estás a fingir uma perversidade e um cinismo que não tens, para que eu saia desta casa sem remorsos! Tu és a Madalena, de Pinheiro Chagas!
( Caindo em si.) – Compreendo e agradeço o teu sacrifício, minha boa Lola. Tu
Lola
apaixonasse por quem quer que fosse!
– E tu és um asno! – O que te estou dizendo é sincero! Estava eu bem aviada se me
Gouveia
- Dar-se-á caso que te saíssem do coração todos aqueles horrores?
Lola
comprometo a amar-te ainda com mais veemência que da primeira vez no dia em que resolveres dar cabo do dote da tua futura esposa!
– Do coração? Sei lá o que isso é. O que afianço é que sou tão sincera, que me
Gouveia
beijos me tiraram totalmente o brio! Eu posso fazer-te pagar bem caro os teus insultos!
(Com uma explosão.) – Cala-te, víbora danada! Olha que nem o jogo, nem os teus
Lola
enganas-te redondamente! Depois, repara que estás vestido de Mefistófeles! Esse traje prejudica os teus efeitos dramáticos! Vai, vai ter com a tua roceira. Casem-se, sejam muito felizes, tenham muitos Gouveiazinhos, e não me amoles mais! (
-
Lola
Lola
este pobre rapaz foi sempre uma lástima! – os homens não compreendem que o seu único atrativo é o dinheiro! Este pascácio devia ser o primeiro a fazer uma retirada em regra, e não se sujeitar a tais sensaborias! Bastavam quatro linhas pelo correio. – Oh! também a mim, quando eu ficar velha e feia, ninguém me há de querer! Os homens têm o dinheiro, nós temos a beleza; sem aquele e sem esta, nem eles nem nós valemos coisa nenhuma. (
, depois
– Ora, vai te catar! Se julgas amedrontar-me com esses ares de galã de dramalhão, Gouveia avança, quer dizer alguma coisa, mas não acha uma palavra. Encolhe os ombros e sai. ) Cena II Lourenço (.) – Faltou-lhe uma frase, para o final da cena – coitado! A respeito de imaginação, Entra Lourenço trajando uma libré de cocheiro. Vem a rir-se.)
Lourenço
– Que foi aquilo?
Lola
- Aquilo o quê?
Lourenço
curvei respeitosamente diante dele, mandou-me ao diabo, e foi pela rua fora, a pé, vestido de Satanás de mágica! Ah! ah! ah!
– O Gouveia! Veio zunindo pela escada abaixo e, no saguão, quando eu me
Lola
– Daquele estou livre!
Lourenço
– Eu não dizia a você? Aquilo é bananeira que já deu cacho!
Lola
– Que vieste fazer aqui? Não te disse que ficasses lá embaixo?
Lourenço
falar a você.
– Disse, sim, mas é que está aí um matuto, pelos modos fazendeiro, que deseja
Lola
– A ocasião é imprópria. São quase horas, ainda tenho que me vestir!
Lourenço
parece ter muito interesse nesta visita. Demais... você bem sabe que nunca se manda embora um fazendeiro.
– Coitado! O pobre-diabo já aqui veio um ror de vezes a semana passada, e
Lola
– Que horas são?
Lourenço
– Oito e meia. Já estão na sala alguns convidados.
Lola
– Bem! Num quarto de hora eu despacho esse matuto. Faze-o entrar.
Lourenço
– É já. (Sai assoviando.)
Lola
mesmo! – Ele tem razão: um fazendeiro nunca se manda embora.
(.) – Como anda agora lépido o Lourenço! Voltou de Caxambu que nem parece o
Lourenço
-
Lola, Eusébio
Eusébio
(Introduzindo Eusébio muito corretamente.) – Tenha V. Exa. a bondade de entrar. (Eusébio entra muito encafifado e Lourenço sai fechando a porta.) Cena III - – Boa nôte, madama! Deus esteja nesta casa!
Lola
Sentam-se ambos
– Faz favor de entrar, sentar-se e dizer o que deseja. (Oferece-lhe uma cadeira. .)
Eusébio
falá...
– Na sumana passada eu precurei a madama um bandão de vez sem conseguir le
Lola
– E por que não veio esta semana?
Eusébio
as aleluia! (
– Dona Fortunata não quis, por sê sumana santa... Eu então esperei que rompesse Uma pausa.) – Eu pensei que a madama embrulhasse língua comigo, e eu não entendesse nada que a madama dissesse, mas tô vendo que fala muito bem o português...
Lola
por exemplo: hombre, homem; mujer, mulher.
– Eu sou espanhola e... o senhor sabe... o espanhol parece-se muito com o português;
Eusébio
(Mostrando o chapéu que tem na mão.) – E como é chapéu, madama?
Lola
– Sombrero.
Eusébio
– E guarda-chuva?
Lola
–Paraguas.
Eusébio
– É! Parece quase a mesma coisa! – E cadeira?
Lola
– Silla.
Eusébio
– E janela?
Lola
– Ventana.
Eusébio
– Muito parecida!
Lola
casa...
– Mas, perdão, creio que não foi para aprender espanhol que o senhor veio à minha
Eusébio
séria!
– Não, madama, não foi para aprendê espanhol: foi para tratá de coisa munto
Lola
– De coisa séria? Comigo! É esquisito!...
Eusébio
– Não é esquisito, não madama; eu sou o pai da noiva de seu Gouveia!...
Lola
– Ah!
Eusébio
vi na sua casa para sabê... sim, para sabê se é possive a madama se separá de seu Gouveia. Se fô possive, munto que bem; se não fô, paciência: a gente arruma as mala, e amenhã memo vorta pra fazenda. Minha fia é bonita e é rica: não há de sê defunto sem choro!...
– Cumo minha fia anda munto desgostosa pru via da madama, eu me alembrei de
Lola
– Compreendeo: o senhor vem pedir a liberdade de seu futuro genro!
Eusébio
levanta-se fingindo uma comoção extraordinária; quer falar, não pode, e acaba numa explosão de lágrimas. Eusébio levanta-se
– Sim, madama; eu quero o moço livre e desembaraçado de quaqué ônus! (Lola .) Que é isso? A madama está chorando?!...
Lola
sacrifício terrível! (
(Entre lágrimas.) – Perder o meu adorado Gouveia! Oh! o senhor pede-me um Pausa.) Mas eu compreendo... Assim é necessário... Entre a mulher perdida e a menina casta e pura; entre o vício e a virtude, é o vício que deve ceder... Mas o senhor não imagina como eu amo aquele moço e quantas lágrimas preciso verter para apagar a lembrança do meu amor desgraçado! (Abraça Eusébio, escondendo o rosto nos ombros dele, e soluça.) Sou muito infeliz!
Eusébio
sossegue... A Madama não perde nada... (
(Depois de uma pausa, em que faz muitas caretas.) – Então, madama?... À parte.) Que cangote cheiroso!...
Lola
senhor dizer com isso!
(Olhando para ele, sem tirar a cabeça do ombro.) – Não perco nada? Que quer o
Eusébio
assim eu não acerto as palavras!
– Quero dizê que... sim... quero dizê... Home, madama, tira a cabeça daí, porque
Lola
nunca mais o verei... mas onde irei achar consolação? ... Onde encontrarei uma alma que me compreenda, um peito que me abrigue, um coração que vibre harmonizado com o meu?
(Sem tirar a cabeça.) – Sim, a minha porta se fechará ao Gouveia... Juro-lhe que
Eusébio
– Nós podemo entrá num ajuste.
Lola
propor-me dinheiro!... Oh! por amor dessa inocente menina, que é sua filha, não insulte, senhor, os meus sentimentos, não ofenda o que eu tenho de mais sagrado!...
Eusébio
(
(Afastando-se dele com ímpeto.) – Um ajuste?! Que ajuste?! O senhor quer talvez À parte.) – É um pancadão! Seu Gouveia teve bom-gosto!...
Lola
não é assim? Pois bem: é seu Gouveia; dou-lho, mas dou-lho de graça, não exijo a menor retribuição!
– O senhor quer que eu deixe o Gouveia porque sua filha o ama e é amada por ele,
Eusébio
chama aquilo que se falou quando foi o 13 de Maio? Uma... Ora, sinhô! (
– Mas o que vinha propô à madama não era um pagamento, mas uma... Cumo Lembrando-se.) Ah! uma indenização! O caso muda muito de figura!
Lola
coração aos mancebos da capital, e só amarei
– Não! – nenhuma indenização pretendo! Mas de ora em diante fecharei o meu (Enquanto fala vai arranjando o laço da gravata e a barba de Eusébio.) algum homem sério... de meia-idade... filho do campo... ingênuo... sincero... incapaz de um embuste... (Alisando-lhe o cabelo.) – Oh! Não exigirei que ele seja belo... Quanto mais feio for, menos ciúmes terei! (Eusébio cai como desfalecido numa cadeira, e Lola senta-se no colo dele.) A esse hei de amar com frenesi... com delírio!... (Enche-o de beijos.)
Eusébio
(Resistindo e gritando.) – Eu quero i me embora! (Ergue-se.)
Lola
– Cala-te, criança louca!...
Eusébio
– Criança louca! Uê!...
Lola
misteriosa e magnética me impelia para os teus braços! Ora o Gouveia! Que me importa a mim o Gouveia se és meu, se está preso pela tua Lola, que não te deixará fugir?
(Com veemência.) – Desde que transpuseste aquela porta, senti que uma força
Eusébio
– Isso tudo é verdade?
Lola
– Estes sentimentos não se fingem! Eu adoro-te!
Eusébio
Capitá Federá...
– Eu me conheço... já sou um home de idade... não sei falá como os doutô da
Lola
– Mas é isso mesmo o que mais me encanta na tua pessoa!
Eusébio
– Quando a esmola é munto, o pobre desconfia.
Lola
– Põe à prova o meu amor! Já te não sacrifiquei o Gouveia?
Eusébio
– Isso é verdade.
Lola
viver contigo numa ilha deserta? ... Oh! bastam-me o teu amor e uma choupana! (
– Pois sacrifico-te o resto!... Queres que me desfaça de tudo quanto possuo, e que vá Abraça-o.) Dá-me um beijo! Dá-mo como um presente do céu! (Eusébio limpa a boca com o braço e beija-a .) Ah! (Lola fecha os olhos e fica como num êxtase.)
Eusébio
(À parte.) – Seu Eusébio tá perdido! (Dá-lhe outro beijo.)
Lola
esfregando os olhos
(Sem abrir os olhos. ) – Outro... outro beijo ainda... (Eusébio beija-a e ela afasta-se, .) Oh! Não será isto um sonho?
Eusébio
– Bom, madama, com sua licença: eu vou me embora...
Lola
convidados.
– Não; não consinto! Faço hoje anos e dou uma festa. A minha sala já está cheia de
Eusébio
– Ah! por isso é que, quando eu entrei, subia uns mascarado...
Lola
– Sim; é um baile à fantasia. Precisas de um vestuário.
Eusébio
– Que vestuário, madama?
Lola
–Espera. Tudo se arranjará. (Vai à porta.) Lourenço!
Eusébio
– Que vai fazê, madama?
Lola
- Cena IV -
Os mesmos, Lourenço
Lola (A Lourenço que se apresenta muito respeitosamente.) – Vá com este senhor a uma casa de alugar vestimentas à fantasia a fim de que ele se prepare para o baile.
Eusébio – Mas...
Lola (Súplice.) – Oh! Não me digas que não! ( A Lourenço.) Dê ordem ao porteiro para não deixar entrar o Sr. Gouveia. Esse moço morreu para mim!
Lourenço (À parte.) – Que diabo disto será aquilo?
Lola (Baixo a Eusébio.) – Estás satisfeito? (Antes que ele responda.) Vou preparar-me também. Até logo! (Sai pela direita.)
-
Eusébio, Lourenço
Eusébio
Dona Fortunata soubesse... (
– Vais ver. Cena V – (Consigo.) – Sim, sinhô; isto é o que se chama vi buscá lã e saí tosquiado! – Se Dando com o Lourenço.) Vamos lá, seu... cumo o sinhô se chama?
Lourenço
– Lourenço, para servir a V.Exa.
Eusébio
Enfim!... Mas que espanhola danada
Lourenço passar
– Vamos lá, seu Lourenço... (Sem arredar pé de onde está.) Isto é o diabo! ! (Encaminha-se para a porta e faz lugar para .) Faz favô!
Lourenço
obséquio!
(Inclinando-se.) – Oh! Meu senhor... isso nunca... eu, um cocheiro!... Então. Por
Eusébio
passa e Eusébio acompanha-o . Mutação
– Passe, seu Lourenço, passe, que o sinhô é de casa e está fardado! (Lourenço .)
Quadro VII
(
-
Rodrigues, Dolores, Mercedes, Blanchette, convidados
Rico salão de baile profusamente iluminado) Cena I –
(
Estão todos vestidos à fantasia)
Coro
Que lindo baile! Que bela festa!
Luzes e flores em profusão!
A nossa Lola não é modesta!
Eu sinto aos pulos o coração!
Mercedes, Dolores e Blanchette
Senhores e senhoras,
Divirtam-se a fartar!
Alegremente as horas
Vejamos deslizar!
A mocidade é sonho
Esplêndido e risonho
Que rápido se esvai;
Portanto, a mocidade
Com voluptuosidade
Depressa aproveitai!
Blanchette
Dancemos, que a dança,
Se o corpo nos cansa,
A alma nos lança
Num mundo melhor!
Dolores
Bebamos, que o vinho,
Com doce carinho,
Nos mostra o caminho
Fulgente do amor!
Mercedes
Amemos, embora
Chegada à hora
Da fúlgida aurora,
Deixemos de amar!
Que em nós os amores,
Tal como nas flores
Perfumes e cores,
Não possam durar!
As Três
Dancemos!
Bebamos! Amemos!
Rodrigu
ainda não me disseram nada!...
es (Que está vestido de Arlequim.) – Então? Que me dizem desta fantasia? Vocês
Mercedes
– Deliciosa!
Blanchette
– Épatante!
Rodrigues
homem da família.
– Saiu baratinha, porque foi feita em casa pelas meninas. Como sabem, sou o
Mercedes
– Você confessou em casa que vinha ao baile da Lola?
Rodrigues
baile dado em Petrópolis pelo Ministro Inglês...
– Não, que isso talvez aborrecesse minha senhora. Eu disse-lhe que ia a um
Todas
– Ah!ah!ah!...
Rodrigues
interesses comerciais...
Blanchette
– Ah! Seu patife!
(Continuando.) - ... baile a que não podia faltar por amor de uns tantos
Dolores
Rodrigues (
– De modo que, neste momento, a sua pobre senhora julga-o em Petrópolis. Confidencialmente, muito risonho.) – Saí hoje de casa com a minha bela fantasia dentro de uma mala de mão, e fingi que ia tomar a barca das quatro horas. Tomei mas foi um quarto do hotel, onde o austero negociante jantou e onde à noite se transformou no carro fechado voei a esta deliciosa mansão de encantos e prazeres.Tenho por mim toda a noite e parte do dia de amanhã, pois só tenciono voltar à tardinha. Ah! Não imaginam vocês com que saudade estou da família, e com que satisfação abraçarei a esposa e os filhos quando vier de Petrópolis!
Mercedes
– Você é na realidade um pai de família modelo!
Dolores
– Um exemplo de todas as virtudes!
Blanchette
– Esse vestuário de Arlequim não lhe fica bem! Você devia vestir-se de Catão!
Rodrigues
família mais completo do que eu. (
– Trocem à vontade, mas creiam que não há no Rio de Janeiro um chefe de Afastando-se.) Em minha casa não falta nada. (Afasta-se.)
Mercedes
– Nada, absolutamente nada, a não ser o marido.
Dolores
– É um grande tipo.
Blanchette
– E a graça é que a senhora paga-lhe na mesma moeda!
Mercedes
– É mais escandalosa que qualquer de nós.
Dolores
muito agarradinha ao Lima Gama!
– Não quero ser má língua, mas há dias encontrei-a num bonde da Vila Isabel
Blanchette
– Aqueles bondes da Vila Isabel são muito comprometedores.
Rodrigues
(Voltando.) – Que estão vocês aí a cochichar?
Mercedes
– Falávamos da vida alheia.
Blanchette
senhora casada que mora em Botafogo.
– Dolores contava que há dias encontrou num bonde da Vila Isabel uma
Rodrigues
– Isso não tira! Talvez fosse ao Jardim Zoológico.
Dolores
– Talvez; mas o leão ia ao lado dela no bonde...
Rodrigues
si e à sociedade!
– Há, efetivamente, senhoras casadas que se esquecem do decoro que devem a
As três
(Com convicção.) – Isso há...
Rodrigues
– Por esse lado posso levantar as mãos para o céu! Tenho uma esposa virtuosa!
Mercedes
– Deus lha conserve tal qual tem sido até hoje.
Rodrigues
– Amém.
Blanchette
– E Lola que não aparece?
Dolores
– Está se vestindo: não tarda.
Um Convidado
– Oh! Que bonito par vem entrando!
Todos
– É verdade!
O Convidado
– Façamos alas para recebê-lo!
Rodrigues
– Propomos que o recebamos com um rataplan!
Todos
– Apoiada! Um rataplan... (Formam-se duas alas.)
Coro
Rataplan! Rataplan! Rataplan!
Oh! que elegância! que lindo par!...
Todos os outros vem ofuscar!
-
Os mesmos,
Cena II Figueiredo e Benvinda
(
Benvinda, vestida de Aída
Entra Figueiredo, vestido de Radamés, trazendo pela mão .)
Figueiredo
Eis Aída,
Conduzida
Pela mão de Radamés
Vem chibante,
Coruscante,
Da cabeça até os pés!...
Que lindeza!
Que beleza!
Meus senhores aqui está
A trigueira
Mais faceira
De São João do Sabará!
-
I
Coro
A trigueira, etc...
Figueiredo
Diz tolices,
Parvoíces,
Se abre a boca pra falar,
Se se cala
Se não fala,
Pode as pedras encantar!
Eu a lanço
Sem descanso!
Na pontíssima estará
A trigueira
Mais faceira
De São João do Sabará!
-
II
Coro
A trigueira, etc...
Figueiredo
Senhorias, Dona Fredegonda, que – depois, bem entendido, das damas que se acham
aqui presentes – é a estrela mais cintilante do demi-monde carioca!
– Minhas senhoras e meus senhores, apresento a Vossas Excelências e
Todos
( Inclinando-se.) – Dona Fredegonda!
Figueiredo
(Baixo a Benvinda.) – Cumprimenta.
Benvinda
– Ô revoá!
Figueiredo
( Baixo.) – Não Au revoir é quando a gente vai se embora e não quando chega.
Benvinda
– Entonces...
Figueiredo
Lola para comparecer a este forrobodó elegante, não quis perder o magnífico ensejo,
que se me oferecia, de iniciar a formosa Fredegonda nos insondáveis mistérios da
galanteria fluminense! Espero que Vossas Excelências e senhorias queiram recebê-
la com benevolência, dando o necessário desconto às clássicas emoções da estréia, e
ao fato de ser Dona Fredegonda uma simples roceira, quase tão selvagem como a
princesa etíope que o seu vestuário representa.
(Baixo.) – Cala-te! Não digas nada! ... (Alto.) – Convidado pela gentilíssima
Todos
( Batendo palmas.) – Bravo! Bravo! Muito bem!
Blanchette
outras
( A Figueiredo.) – Descanse. A iniciação desta neófita fica por nossa conta. (Às .) Não é assim?
Dolores e Mercedes
encafifada
– Certamente. (As três cercam Benvinda, que se mostra muito .)
Figueiredo
o homem da família, o moralista retórico e sentimental, o palmatória do mundo!...
(Vendo Rodrigues aproximando-se dele.) – Oh! Que vejo! Você aqui!... Você,
Rodrigues
uma série de circunstâncias que...que...
– Sim... é que ... são coisas... estou aqui por necessidade... por incidente... por
Figueiredo
que o encontrei no largo da Carioca, a mulata mostrou-me seu cartão de visitas...
– Deixe-se disso! Não há nada mais feio que a hipocrisia! Naquela tarde em
Rodrigues
– O meu?... Ah! Sim, dei-lhe o meu cartão... para...
Figueiredo
– Para quê?
Rodrigues
– Para...
Figueiredo
– Olhe, cá entre nós que ninguém nos ouve: quer você tomar conta dela?
Rodrigues
– Quê! Pois já se aborreceu?
Figueiredo
Bilontra?
– Todo o meu prazer é lançá-las, lançá-las, e nada mais. Você viu a Mimi
Rodrigues
– Não.
Figueiredo
– Mas sabe o que é lançar uma mulher?
Rodrigues
família... mas quer me parecer que lançar uma mulher é como quem diz atirá-la na
vida, iniciá-la neste meio...
– Nesses assuntos sou hóspede... você sabe... sempre fui um homem de
Figueiredo
mais que uma boa companheira. É uma mulher que lhe convinha.
– Ah! Qui Qui! Infelizmente não creio que desta se possa fazer alguma coisa
Rodrigues
santa esposa...
– Mas eu não preciso de companheira! Sou casado, e, graças a Deus, a minha
Figueiredo
( Atalhando.) – E o cartão?
Rodrigues
comprometi a coisa nenhuma!
– Que cartão? Ah! Sim, o cartão do Largo da Carioca... Mas eu não me
Figueiredo
– Bom; então não temos nada feito... mas veja lá! – se quer...
Rodrigues
– Querer, queria... mas não com caráter definitivo!
Figueiredo
(
-
– Ora vá pentear macacos! Às últimas deixas, Eusébio tem entrado, vestido com uma dessas roupas que vulgarmente se chamam de princês. Eusébio aperta a mão aos convidados um por um. Todos se interrogam com os olhos admirados de tão estranho convidado.) Cena III
Os mesmos, Eusébio
Eusébio
outro, admirado de me vê aqui! Eu fui convidado pela madama dona da casa!
(Depois de apertar a mão a muitos dos circunstantes.) – Tá tudo oriando uns pros
Benvinda
(À parte.) – Sinhô Eusébio! ...
Figueiredo
Benvinda!...
( A quem Eusébio aperta a mão, à parte.) – Oh! Diabo! É o patrão da
Blanchette
– Donde saiu esta figura?
Dolores
– É um homem da roça!
Blanchette
– Não será um doido?
Eusébio
( Indo apertar por último a mão de Benvinda, reconhecendo-) – Benvinda!
Benvinda
– Ó revoá!
Figueiredo
(À parte.) – E ela a dar-lhe!...
Eusébio
– Tu também tá de fantasia, mulata! O mundo tá perdido!...
Benvinda
– Eu vim com seu Figueiredo... mas vancê é que me admira!
Eusébio
eu tive que alugá esta vestimenta, mas vim de tilbo porque hoje é sabo de aleluia e eu não quero embrulho comigo!
– Eu vim falá ca madama pro mode seu Gouveia... e ela me convidou pra festa... e
Figueiredo
(À parte.) – Oh! Bom! Foi o seu professor de português!
Benvinda
– Se sinhá soubesse...
Eusébio
sempre quero olá pra cara dele!
– Cala a boca! Nem pensá nisso é bão! Mas onde tá o tá seu Figueiredo? Eu
Benvinda
– É aquele.
Eusébio
um home branco e que já começa a pintá? Agora me alembro de vê o sinhô lá no hoté só rondando a porta da gente!...
( Indo a Figueiredo.) – Pois foi o sinhô que me desencaminhou a mulata? O sinhô,
Figueiredo
peça... mas há de convir que este lugar não é o mais próprio para...
– Estou pronto a dar-lhe todas as satisfações em qualquer terreno que mas
Eusébio
parenta minha! Mas lá em São João do Sabará há um home chamado seu Borge, que se souber... um!um!... é capaz de vi na Capitá Federá!
(Atalhando.) – Ora viva! Eu não quero satisfação! A mulata não é minha fia nem
Figueiredo
– Pois que venha!
Mercedes
– Aí chega a Lola!
Todos
-
– Oh! A Lola!... viva a Lola!... viva!... Cena IV
Os mesmos, Lola
Coro
Até que enfim Lola aparece!
Até que enfim Lola cá está!
Vem tão bonita que entontece!
Lola vem cá! Lola vem já!...
(
Lola entra ricamente fantasiada à espanhola.)
Lola
Querem todos ver a Lola!
Aqui está ela!
Coro
Aqui está ela!
Lola
Oh, que esplêndida manola
Não há mais bela!
Coro
Não há mais bela!
Lola
Vejam que graça
Tem a manola!
Não é chalaça!
Não é parola!
Como se agita!
Como rebola!
Isso os excita!
Isso os consola!
O olhar brejeiro
De uma espanhola
Do mais matreiro
Transtorna a bola,
E sem pandeiro,
Nem castanhola!
Coro
Vejam que graça, etc... (
Dança geral.)
Figueiredo
– Gentilíssima Lola, permite que Radamés te apresenta Aída!
Lola
– Folgo muito de conhecê-la. Como se chama?
Benvinda
– Benv... (Emendando.) Fredegonda.
Eusébio
( À parte.) – Fredegonda? Uê! Benvinda mudou de nome!...
Figueiredo
– Espero que lhe emprestes um raio da tua luz fulgurante!
Lola
– Pode contar com a minha amizade.
Figueiredo
– Agradece.
Benvinda
– Merci.
Eusébio
Lola
(
(À parte.) – Aí, mulata!... Vendo Eusébio.) – Bravo! Não imagina como lhe fica bem essa fatiota!
Eusébio
– Diz que é vestuário de conde.
Lola
- Está irresistível!
Eusébio
– Só a madama podia me metê nestas fundura!
Blanchette
(A Lola.) – Onde foste arranjar aquilo?
Lola
– Cala-te! É um tesouro, um roceiro rico ... e primitivo!
Blanchette
– Tiraste a sorte grande!
Lola
amor!
- Meus amigos, espera-os na sala de jantar um ponche, um ponche monumental, que mandei preparar no intuito de animar as pernas para a dança e os corações para o
Todos
- Bravo! Bravo!...
Figueiredo
– Um ponche! Nesse caso, é preciso apagar as luzes!
Lola
– Já devem estar apagadas. ( A Eusébio.) – Fica. Preciso falar-te.
Mercedes
– Ao ponche, meus senhores!
Todos
– Ao ponche!...
Blanchette
(A Lola.) – Não vens?
Lola
– Vão indo. Eu já vou. Manda-me aqui algumas taças.
Dolores
– Ao ponche!
Coro
Vamos ao ponche flamejante!
Vamos ao ponche sem tardar!
O ponche aquece um peito amante
E as cordas da alma faz vibrar!
(
-
Saem todos, menos Lola e Eusébio.) Cena V
Eusébio, Lola
Lola
– Oh! Finalmente estamos sós um instante!
Eusébio
(Em êxtase.) – Como a madama tá bonita!
Lola
– Achas?
Eusébio
– Juro por esta luz que nos alumeia que nunca vi uma muié tão fermosa!...
Lola
desagrade! (
-
– Hei de pedir a Deus que me conserve assim por muito tempo para que eu nunca te Entra Lourenço com uma bandeja cheia de taças de ponche chamejante.) Cena VI
Os mesmos, Lourenço
Eusébio
– Adeusinho, seu Lourenço. Como passou de indagorinha pra cá?
Lourenço
(Imperturbável e respeitoso.) – Bem; agradecido a Vossa Excelência.
Lola
retirar-se
– Deixe a bandeja sobre esta mesa e pode retirar-se. (Lourenço obedece e vai a .)
Eusébio
Lourenço
Lola
– Oh! Excelentíssimo! (
– Até logo, seu Lourenço. (Aperta-lhe a mão.) Fiz uma mesura e sai, lançando um olhar significativo a .)
Lola
-
(À parte.) – É um bruto! Cena VII
Lola, Eusébio
Eusébio
gosto!
– Este seu Lourenço é muito delicado. Arruma incelência na gente que é um
Lola
(Oferecendo-lhe uma taça de ponche.) – À nossa saúde!
Eusébio
– Bebida de fogo? Não! Não é o fio de meu pai!...
Lola
– Prova, que hás de gostar. (Eusébio prova.) Então, que tal? (Ele bebe toda a taça.)
Eusébio
– Home, é muito bão! Cumo chama isto?
Lola
– Ponche.
Eusébio
– Isto não faz má? Eu não tenho cabeça forte!
Lola
– Podes beber sem receio.
Eusébio
– Então, à nossa, pra que Deus nos livre de alguma coisa! (Bebe.)
Lola
– Dize... dize que hás de ser meu... dá-me a esperança de ser um dia amada por ti!...
Eusébio
– Eu já gosto de madama cumo quê!
Lola
– Não digas a madama. Trata-me por tu.
Eusébio
– Não me ajeito... pode sê que despois...
Lola
– Depois do quê?
Eusébio
(Com riso tolo e malicioso.) – Ah! ah!
Lola
(Dando-lhe outra taça.) – Bebe!
Eusébio
– Ainda?
Lola
– Esgotemos juntos esta taça! (Bebe um gole e dá a taça a Eusébio.)
Eusébio
– Vou sabê dos teus segredo. (Bebe.)
Lola
da tua Lola... mas receias que eu não seja sincera... tens medo de que eu te engane...
– E eu dos teus. (Bebe.) – Oh! O teu segredo é delicioso... tu gostas muito de mim...
Eusébio
mim! Parece que tou sonhando! ... O tá ponche tem feitiço... mas é bão... é muito bão!... Quero mais!
(Indo a dar um passo e cambaleando.) – Minha Nossa Senhora! Eu tou fora de
Dueto
Lola
Dize mais uma vez! Dize que me amas!
Eusébio
Eu já disse e arrepito!
Lola
O coração me inflama!
Vem aos meus braços! Vem!
Assim como eu te amo, ai! Nunca amei ninguém!
Se deste afeto duvidas,
Se me imaginas perjura,
Com essas mãos homicidas
Me cavas a sepultura!
Será o golpe certeiro,
A morte será horrenda!
Tu és o meu fazendeiro!
E eu sou a tua fazenda!
Eusébio
Se é moda a bebedeira, tou na moda,
Pois vejo toda a casa andando à roda!
Lola
Bebe ainda uma taça
Agora pode ser que bem te faça.
Eusébio
(
Não posso mais! (
Oh! Lola, eu tou perdido!
Depois de beber.) Atira a taça.)
Lola
Vem cá, meu bem querido!
Juntos
Lola Eusébio
Vem aos meus braços, Tou nos seus braço!
Eusébio, vem! Aqui me tem!
Os meus abraços Mas os abraço
Te fazem bem! Não me faz bem!
Eusébio
sou teu... só teu... faz de mim o que tu quiser, minha negra!
– Oh! Tou cuma fogueira aqui dentro! Mas é tão bão ( Abraçando Lola.) Lola, eu
Lola
– Meu? Isso é verdade? Tu és meu? Meu?
Eusébio
– Sim, sou teu! Tá aí! E agora? Sou teu e de mais ninguém...
Lola
reconheçam! (
-
(
– Então, esta casa é tua! És o meu senhor, o meu dono, e como tal quero que todos te Indo à porta batendo palmas.) Eh! Olá! Venham todos!... venham todos! (Música na orquestra.) Cena VIII Todos os personagens do ato.)
Final
Coro
Lola nos chama!
Que aconteceu?
Que nos quer Lola?
Que sucedeu?
Lola
Meus amigos, desejo neste instante
Apresentar-lhes o meu novo amante!
Ele aqui está! Eu o amo e ele me ama.
Eusébio
– Sim! Aqui está o home da madama!
Todos
– Ele!... (Admiração geral.)
Lola
És o meu novo dono!
Pode dizer-me: És minha!
É teu, é teu somente
O meu sincero amor!
Eu dava-te o meu trono
Se fosse uma rainha!
Tu, exclusivamente,
És hoje o meu senhor!
Eusébio
Sou eu o seu novo dono!
Posso dizer: É minha!
É meu unicamente
O meu sincero amô!
Por ela eu me apaixono!
A Lola é bonitinha!
Eu, exclusivamente,
Sou hoje o seu sinhô!
Lola
És o meu novo dono! Etc.
Coro
Eis o seu novo dono!
Pode dizer: É minha!
É dele unicamente
O meu sincero amor!
Gostar assim de um mono
É sorte bem mesquinha!
Ele, exclusivamente,
É hoje o seu senhor!...
Figueiredo
(
Nossos cumprimentos,
Meu amigo, aos centos
Queira receber!
E como hoje é trunfo,
Levado em triunfo
Agora vai ser!
(
A Eusébio) Figueiredo e Rodrigues carregam Eusébio. Organiza-se uma pequena marcha, que faz uma volta pela cena, levando o fazendeiro em triunfo.)
Coro
Viva! Viva o fazendeiro
Bonachão e prazenteiro
Que de um peito bandoleiro
Os rigores abrandou,
Conquistando a linda Lola,
Essa esplêndida espanhola
Que o país da castanhola
Generoso nos mandou!
(
Eusébio é posto sobre uma mesa ao centro da cena.)
Eusébio
Obrigado!
Obrigado!
Mas eu tô muito chumbado!
Vejo tudo dobrado!
Lola
Dancem! Dancem! Tudo dance!
Ninguém canse
No cancã,
Pois quem se acha aqui presente
Tudo é gente
Folgazã!
Coro
Sim! Dancemos! – tudo dance!
Ninguém canse
No cancã,
Pois quem se acha aqui presente
Tudo é gente
Folgazã!
(
Cancã desenfreado em volta da mesa.)
Ato III
Quadro VIII
A saleta de Lola
-
Cena I
Eusébio, Lola
(
Eusébio, ridiculamente vestido à moda, prepara um enorme cigarro mineiro. Lola, deitada no sofá, lê um jornal e fuma.)
Eusébio
Juquinha... não sei de seu Gouveia... Não tenho corage de entrá em casa!... Se eu me
confessá, não encontro um padre que me absorva!... – Lola, Lola, que diabo de feitiço foi este?... tu fez de mim o que tu bem quis!
– Isto tá o diabo! Não sei de Dona Fortunata... não sei de Quinota... não sei de
Lola
– Estás arrependido?
Eusébio
Mas minha pobre muié deve está furiosa!... E então quando ela me vi assim, todo janota, co’esta roupa de arfaiate francês, feito monsiú da Rua do Ouvidô... Oh! Lola! Lola! As muié é os tormento dos home! ... (
– Não, arrependido, não tou, porque a coisa não se pode dizê que não seje oba... Local que se tem levantado e que tem ido, um tanto inquieta, até à porta da esquerda, volta ao proscênio e vem encostar-se ao ombro de Eusébio.)
Lola
- O tormento! Oh! Não...
Coplas
Meu caro amigo, esta vida
Sem a mulher nada vai!
É sopa desenxabida,
Sem uma pedra de sal!
Se a dor torna um homem triste,
Tem ele cura, se quer;
A própria dor não resiste
Aos beijos de uma mulher!
- II –
Ao lado meu, queridinho,
Será ditoso e feliz;
Terás todo o meu carinho,
É o meu amor que to diz.
Se tu me amas como eu te amo,
Se respondes aos meus ais,
Nada mais de ti reclamo,
Não te peço nada mais!
Eusébio
– Mas... me diz uma coisa, diabo, fala tua verdade... Tu tá inteiramente curada de seu Gouveia?
- I –
Lola
sonho... foste ver na vitrine do Luís de Resende o tal broche com que eu sonhei?
– Não me fales mais nisso ! Foi um sonho que passou. (Pausa.) A propósito de
Eusébio
(Coçando a cabeça.) – Fui... sabe quanto custa?
Lola
(Com indiferença.) – Sei... uma bagatela... um conto e oitocentos... (Sobe e vai de novo observar à porta da esquerda.)
Eusébio
tão poucos dias já me custa cinco contos de réis! E agora o colar!...
(À parte.) – Sim, é uma bagatela... a espanhola gosta de mim, é verdade, mas em
Lola
quero!
(À parte.) – Que demora! (Alto, descendo.) Mas enfim? O colar? Se é um sacrificío, não
Eusébio
– O home ficou de fazê um abartimento e me mandá a resposta.
Lola
(À parte.) – É meu!
Eusébio
– Se ele deixá por um conto e quinhento, compro! Não dou nem mais um vintém.
Lola
(À parte.) – Sobem a escada. É ele!...
Eusébio
– Parece que vem gente. (Batem com força à porta.) – Quem é?
Lola
óculos azuis, barbas postiças, chapéu desabado e veste um sobretudo com a gola erguida. Lola finge-se assustada
-
– Deixa. Eu vou ver. (Vai abrir a porta. Lourenço entra arrebatadamente. Traz .) Cena II -
Os mesmos, Lourenço
Lourenço
– Minha rica senhora, folgo de encontrá-la!
Eusébio
– Que é isso?
Lourenço
casa! É esse o seu costume!
– Fui entrando para não lhe dar tempo de me mandar dizer que não estava em
Lola
– Senhor!
Eusébio
– Quem é este home danado?
Lourenço
esta senhora? Quer saber? É uma caloteira!
– Quem sou?.. Um credor que quer o seu dinhero! Quer saber também quem é
Lola
– Que vergonha! (Cai sentada e cobre o rosto com as mãos.)
Eusébio
em sua casa! Faça favô de saí!...
– O sinhô é um grande marcriado! Não se insurta assim uma fraca muié que está
Lourenço
homem sério, naturalmente há de julgar que sou um grosseirão, um bruto; mas não imagina a paciência que tenho tido até hoje! (
– Sair? Eu não saio daqui sem o meu rico dinheiro! O senhor, que tem cara de Batendo com a bengala no chão.) Venho disposto a receber o meu dinheiro!...
Eusébio
– Mas dinheiro de quê?
Lourenço
que me pediu há quatorze meses para pagar no fim de trinta dias!
– De quê? Como de quê... Dinheiro que me deve esta senhora! Dinheiro limpo,
Lola
( Descobrindo o rosto muito chorosa.) – Com juros de sessenta por cento ao ano.
Lourenço
o que eu exijo, é o meu capital, os meus dois contos de réis, que me saíram limpinho da algibeira e seriam quase o dobro com juros acumulados!
– Eu dispenso os juros! Isto prova que não sou nenhum agiota! O que eu quero,
Lola
vergonha diante deste cavalheiro que estimo e respeito!
(Suplicante.) – Senhor, eu pagarei esse dinheiro logo que puder... Poupe-me tamanha
Lourenço
solveria os seus compromissos! Mas não passa, já disse, de uma reles caloteira!...
– ora deixe-se de partes! Se a senhora não se quisesse sujeitar a estas cenas,
Eusébio
– Home, o sinhô arrepare que eu tou aqui! Faça favô de vê como fala!...
Lourenço
padrinho? É seu irmão? É seu parente? Com que direito intervém? Eu tenho ou não tenho razão? Fui ou não fui caloteado?
– Quem é o senhor? É marido desta senhora? É seu pai? É seu tio? É seu
Eusébio
– Home, o sinhô se cale! Olhe que eu sou mineiro!
Lourenço
satisfeito! (
– Não me calo, ora aí está! E declaro que não me retiro daqui sem estar pago e Senta-se.)
Eusébio
– Seu home, olhe que eu...!
Lourenço
senhor não tem o direito de abrir o bico!...
(Erguendo-se.) – Eh! Lá! Eh! Lá! Agora sou eu que lhe digo que se cale! O
Lola
(Chorando.) – Que vergonha! Que vergonha!
Eusébio
(À parte.) – Coitadinha!...
Lourenço
enganei... Se o fosse, já teria pago por ela, e não consentiria que eu a insultasse!...
– A princípio supus que o senhor fosse o amante desta senhora. Vejo que me
Eusébio
– Hein?
Lola
apagues!... Não! Não tires a carteira! Eu mesma pagarei esta dívida!
(Erguendo-se correndo a Eusébio.) – Não! Não! Sou eu que não consinto que tu
Lourenço
se.)
– Mas há de ser hoje, porque eu não me levanto desta cadeira (Torna a sentar-
Eusébio
– Mas eu...
Lola
Valladolid... Eu é que devo pagá-lo (
- Não! Não pagues! Esse dinheiro pedi-o para mandá-lo a minha mãe, que está em Voltando suplicante para Lourenço.) ... mas não hoje!...
Lourenço
(Batendo com a bengala.) – Há de ser hoje!...
Lola
– Não posso! Não posso!...
Lourenço
- Não pode?... Dê-me esse par de bichas que traz nas orelhas e ficarei satisfeito!
Lola
- Essas bichas custaram três contos!
Lourenço
– São os juros.
Lola
– Pois bem! (Vai tirar as bichas.)
Eusébio
desgraçado, não tenho dois conto aqui no borso, mas me acompanha na casa do meu correspondente, na Rua de São Bento... vem recebê o teu mardito dinheiro!
(Pegando-lhe no braço.) – Não tira as bichas, Lola!... (Ao credor.) – Seu
Lourenço
(Batendo com a bengala.) – Já disse que daqui não saio!
Lola
(Abraçando Eusébio.) – Não, Eusébio, meu querido Eusébio! Não...
Eusébio
de Lola
-
(Sem dar ouvidos a Lola.) – Pois não sai, não sai, desgraçado! (Desvencilhando-se .) Espera aí sentado, que eu vou buscá teu dinheiro! (Sai arrebatadamente. Lola, depois de certificar-se de que ele realmente saiu, volta, e desata a rir às gargalhadas. Lourenço levanta-se, tira os óculos, as barbas e o chapéu, e também ri às gargalhadas.) Cena III
Lola, Lourenço
Lola
Lourenço
- Aceito o beijo, mas olhe que não dispenso os vinte por cento.
– Soberbo! Soberbo! Foi uma bela idéia! Toma um beijo! (Dá-lhe um beijo.)
Lola
– Naturalmente.
Lourenço
- Você há de convir que sou um grande artista!
Lola
– E então eu?
Lourenço
estava a estas horas podre de rico!
–Você também, mas se eu me houvesse feito cômico em vez de fazer cocheiro,
Tango
Ai! Que jeito pro teatro!
Que vocação!
Eu faria o diabo a quatro
Num dramalhão!
Mas às rédeas e ao chicote
Jungido estou!
Sou cocheiro de cocote! (1)
Nada mais sou!
Cumprir o nosso destino
Nem eu quis nem você quis!
Fui ator desde menino
E você foi sempre atriz!
- II –
Quando eu era mais mocinho
(Posso afiançar!)
Fiz furor num teatrinho
Particular!
Talvez outro João Caetano
Se achasse em mim.
Mas o fado desumano
Não quis assim!
Cumprir o nosso destino, etc...
- I –
Lola
– Mas por que não acompanhaste o fazendeiro? Era mais seguro!
Lourenço
queria dar com os ossos no xadrez!
– Pois eu lá me atrevia a andar por essas ruas de barbas postiças! Nada, que não
Lola
– Tens agora que esperar aqui a pé firme!
Lourenço
– Estou arrependido de ter perdoado os juros. (Batem à porta.)
Lola
– Quem será?
Lourenço
(Depois de espreitar.) – É o filho-família.
Lola
petiz?
– Ah! O tal Duquinha? Tomaste as necessárias informações? Que me dizes desse
Lourenço
deixa de ser aproveitável... O pai é muito severo, mas a mãe, que é rica, satisfaz todos os seus caprichos... Não digo que você possa dali mundos e fundos, mas é fácil obrigá-lo a contrair dívidas, se for preciso, para dar alguns presentes, e ouro é o que ouro vale.
Lola
– Manda-o entrar.
(Abanando a cabeça com ares de competência.) – Digo que no seu gênero não
Lourenço
aí.
– Não se demore muito, porque o fazendeiro foi a todo o vapor e não tarda por
Lola
junta as barbas, os óculos e o chapéu, e vai abrir a porta a Duquinha
-
– Temos tempo. A Rua de S. Bento é longe. (Sai. Lourenço tira o sobretudo, a que .) Cena IV
Duquinha, Lourenço
(
Duquinha tem dezoito anos e é muito tímido.)
Duquinha
– A senhora Dona Lola está em casa?
Lourenço
de esperar alguns instantes.
(Muito respeitoso.) – Sim, meu senhor... e pede a V. Exa. Que tenha o obséquio
Duquinha
– Muito obrigado. (À parte.) É o cocheiro... não sei se deva...
Lourenço
– Como diz V. Exa.?
Duquinha
– Se não fosse ofendê-lo, pedia-lhe que aceitasse... (Tira a carteira.)
Lourenço
que eu...
– Oh! Não!... Perdoe V. Exa... não é orgulho; mas que diria a patroa se soubesse
Duquinha
– Ah! Nesse caso... (Guarda a carteira.)
Lourenço
à Senhora Dona Lola...
(Que ia sair, voltando.) – Se bem que eu estou certo que V. Exa. Não diria nada
Duquinha
( Tirando de novo a carteira.) – Ela nunca o saberá. (Dá-lhe dinheiro.)
Lourenço
Uma de trinta! O franguinho promete... (
-
- Beijo as mãos de V. Exa. A Senhora Dona Lola é tão escrupulosa! (À parte.) Sai com muitas mesuras, levando o sobretudo e demais objetos.) Cena V
Duquinha
mulheres... Não pude resistir!.... A Lola é tão bonita, e o outro dia, no Braço de Ouro, me lançou uns olhares tão meigos, tão provocadores, que tenho sonhado todas as noites com ela! Até versos lhe fiz, e aqui lhos trago... Quis comprar-lhe uma jóia, mas receoso de ofendê-la, comprei apenas estas flores... Ai, Jesus! Ela aí vem! Que lhe vou dizer?...
-
– Estou trêmulo e nervoso... É a primeira vez que entro em casa de uma destas Cena VI
Duquinha e Lola
Lola
Como tem passado?
– Não me engano: é o meu namorado do Braço de ouro! (Estendendo-lhe a mão.)
Duquinha
– Eu... sim... bem, obrigado; e a senhora?
Lola
– Como tem as mãos frias!
Duquinha
impressionado.. fico também com as mãos frias...
–Estou muito impressionado. É uma coisa esquisita: todas as vezes que fico
Lola
Duquinha
– Pelo contrário.
– Mas não se impressione! Esteja à vontade! Parece que não lhe devo meter medo!
Lola
(Arremedando- o .) – Pelo contrário! (Outro tom.) São minhas essas flores?
Duquinha
– Sim.. eu não me atrevia... (Dá-lhe as flores.)
Lola
– Ora essa! Por quê? (Depois de aspirá-las.) Que lindas são!
Duquinha
– Trago-lhe também umas flores poéticas.
Lola
– Uma quê?...
Duquinha
– Uns versos.
Lola
– Versos? Bravo! Não sabia que era poeta!
Duquinha
– Sou poeira sim, senhora; mas poeta moderno, decadente...
Lola
– Decadente? Nessa idade?
Duquinha
– Nós somos todos muito novos.
Lola
– Nós quem?
Duquinha
– Nós, os decadentes. E só podemos ser compreendidos por gente da nossa
Lola
por mim.
– Se os senhor se demorasse mais algum tempo, arriscava-se a não ser compreendido
Duquinha
ouvi-los?
– Se dá licença, leio os meus versos. (Tirando um papel da algibeira.) Quer
Lola
– Com todo o prazer.
Duquinha
Ó flor das flores, linda espanhola!
Como eu te adoro, como eu te adoro!
Pelos teus olhos, ó Lola, ó Lola!
De dia canto, de noite choro,
Linda espanhola, linda espanhola!
(Lendo.)
Lola
– Dir-se-ia que o trago de canto chorado!
Duquinha
És uma santa, santa das santas!
Como eu te adoro, como eu te adoro!
Meu peito enlevas, minhalma encantas!
Ouve o meu triste canto sonoro,
Santa das santas, santa das santas!
– Ouça a segunda estrofe!
Lola
– Santa? Eu!... Isto é que é liberdade poética!
Duquinha
estrofe...
– A mulher amada pelo poeta é sempre santa para ele! Terceira e última
Lola
– Só três? Que pena!
Duquinha
Ó flor das flores! Bela andaluza!
Como eu te adoro, como eu te adoro!
Tu és a minha pálida musa!
Desses teus lábios um beijo imploro,
Bela andaluza, bela andaluza! idade. As pessoas de mais de trinta anos não nos entendem.
Lola
– Perdão, mas eu não sou da Andaluzia; sou de Valladolid.
(Lendo.)
Duquinha
– Pois há espanholas tão bonitas que não sejam andaluzas?
Lola
– Pois não! O que não há são andaluzas bonitas que não sejam espanholas.
Duquinha
– Hei de fazer uma emenda.
Lola
– E que mais?
Duquinha
– Como?
Lola
– O senhor trouxe-me flores... trouxe-me versos... e não me trouxe mais nada?
Duquinha
– Eu?
Lola
as mulheres gostam muito.
– Sim... Os versos são bonitos... as flores são cheirosas... mas há outras coisas de que
Duquinha
– Uma caixinha de marrons glacés?
Lola
– Sim, não digo que não... é uma boa gulodice... mas não é isso...
Duquinha
– Então que é?
Lola
– Faça favor de me dizer para se inventaram os ourives.
Duquinha
– Ah! Já percebo... Eu devia trazer-lhe uma jóia!
Lola
– Naturalmente. As jóias são o "Sésamo, abre-te" destas cavernas de amor.
Duquinha
– Eu quis trazer-lhe uma jóia, quis; mas receei que a senhora se ofendesse...
Lola
ofender? Querem ver que o meu amiguinho me toma por uma respeitável mãe de
família? Creia que um simples grampo de chapéu, com um bonito brilhante, produziria mais efeito que todo esse:
Como te adoro, como te adoro,
Linda espanhola, linha espanhola,
Santa das santas, santa das santas!
– Que me ofendesse?... Oh! Santa ingenuidade!... Em que é que uma jóia me poderia
Duquinha
– Vejo que lhe não agrada a Escola Decadente....
Lola
demais, não sou mulher a quem se ofereçam versos... Vejo que o senhor não é de
opinião de Bocage...
– Confesso que as jóias exercem sobre mim uma fascinação maior que a literatura, e
Duquinha
– Oh! Não me fale em Bocage!
Lola
versos para as donzelinhas sentimentais, e, ande, vá buscar o "Sésamo, abre-te" e
volte amanhã. (
– Que mania essa de não nos tomarem pelo que somos realmente! Guarde os seus Empurra-o para o lado da porta. Entra Lourenço.)
Duquinha
– Mas...
Lola
senhor até a porta. (
– Vá,vá! Não me apareça aqui sem uma jóia. ( A Lourenço.) Lourenço conduza este Sai pela direita.)
Duquinha
(
-
– Não, não é preciso, não se incomode. (À parte.) Vou pedir dinheiro a mamãe. Sai.) Cena VII
Lourenço
primeiríssima ordem! – Bem! Vou caracterizar-me de credor, que o fazendeiro não
tarda por aí. Quatrocentos mil-réis cá para o degas! Que bom! Hão de grelar esta noite no Belódromo, onde conto organizar uma mala onça! (
– Às ordens de Vossa Excelência. (.) – A Lola saiu-me uma artista de Sai cantarolando o tango. Mutação.)
Quadro IX
No Belódromo Nacional
Lemos
depois amadores, depois
-
Cena I – , Guedes, um Freqüentador do Belódromo, pessoas do povo, S’il vous-plaît, depois Lourenço
(
Durante todo este ato, ouve-se a intervalos o som de uma sineta que chama os compradores à casa das pules, à esquerda, e uma voz que grita: "Vai fechar!")
Coro
Não há nada como
Vir ao Belódromo!
São estas corridas
Muito divertidas!
Desgraçadamente
Muito raramente
O povo, coitado!
Não é cá roubado!
Mas o cabeçudo,
Apesar de tudo,
Pules vai comprando,
Sempre protestando!
Tipos aqui pisam,
Mestres em cabalas,
E elas organizam
As famosas malas!
E com artimanha
(Manha mais do que arte)
Quase sempre ganha
Pífio bacamarte! (
Entrada dos amadores.)
Coro de Amadores
Aqui estamos os melhores
Amadores
Da elegante bicicleta!
Nós corremos, prazenteiros,
Mais ligeiros,
Mais velozes que uma seta!
A todo o público
Dos belódromos
Muito simpáticos
Se diz que somos
O povo aplaude-nos
Quando vencemos,
Mas também vaia-nos
Quando perdemos!
Aqui estamos os melhores, etc...
O Freqüentador do Belódromo
passado joguei no número 17 por ser a data em que minha mulher morreu, e, por causa das dúvidas, joguei também no número 18, por ser a data em que ela foi enterrada... e ganhou o número 19! Parece impossível!...
( A Lemos e Guedes.) – Parece impossível!.. No páreo
Lemos
– É verdade! Parece! (A Guedes.) Você já viu velho mais cabuloso?
Freqüentador
número 525...
– Agora vou jogar no 25... Não pode falhar, porque a sepultura dela tem o
Guedes
– É... é isso... vá comprar, vá.
O Freqüentador
da casa das pules
– Vou jogar uma em primeiro e duas em segundo. (Agasta-se para o lado .)
Lemos
nem novas nem mandados!
– E que me dizes a esta, ó Guedes? O S’il-vous-plaît foi arranjar tudo, e do Lourenço
Lemos
Lourenço nem novas nem mandados!
– E que me dizes a esta, ó Guedes? O S’il-vous-plaît foi arranjar tudo, e do
Guedes
– Quem sabe se ele teve de levar Lola de carro a algum teatro?...
Lemos
– Qual! Não creias! Pois se ele é um cocheiro que faz da patroa o que bem quer!...
Guedes
aqui está de volta o S’il-vous-plaît.
– Está só pelo diabo! Uma mala segura, e não há dinheiro para o jogo! ... Olhem
S’il-vous-plaît
combinado.
(Aproximando-se, vestido de corredor) – Venho da pista. Está tudo
Lemos
– Sim, mas ainda não temos o melhor! O caixa da mala não aparece!
S’il –vous-plaît
– Que diz você? Pois o Lourenço...
Guedes
– O Lourenço até agora!
Lourenço
(Aparecendo entre eles.) – Que estão vocês aí a falar do Lourenço?
Os Três
– Ora graças!...
Lourenço
– Vocês sabem que eu sou de palavra... Quando digo que venho é porque venho!
Lemos
– Estávamos sobre brasas!
Lourenço
– Já estão vendendo?
Guedes
– Há que tempos!
S’il-vous-plaît
– Já se fez a segunda apregoação.
Lourenço
– O que está combinado?
S’il-vous-plaît
– Ganha o Menelik.
Lourenço
– O Félix Faure não corre?
S’il-vous-plaît
– Corre.
Lourenço
– Se tiver boa máquina, pode ganhar sem querer.
S’il-vous-plaît
– Está combinado que ele cairá na quinta volta.
Lourenço
– Quantas voltas são?
S’il-vous-plaît
– Oito.
Lourenço
S’il-vous-plaît
– O Garibaldi, o Carnot e o Colibri
–. Quem mais corre?
Lourenço
– Que Colibri é esse?
S’il-vous-plaît
combinação!
– É um pequenote... um bacamarte... não vale nada... nem eu o meti na
Lourenço
- Os outros quanto recebem?
S’il-vous-plaît
– Quinze mil-réis cada um.
Lourenço
Tome, seu lemos; vá comprar dez pules... (
Guedes: compre outras dez... Vá cada um por sua vez, para disfarçar... Senão, o rateio não dá para o buraco de um dente! Eu compro três cheques. Vamos. (
-
– E dez por cento dos lucros para vocês três... Bom. (Dando dinheiro a Lemos.) Dando dinheiro a Guedes.) Tome, seu Afastam-se todos.) Cena II
Benvinda, Figueiredo
Benvinda
– Me deixe! Já te disse que não quero mais sabê do sinhô!
Figueiredo
– Por quê, rapariga?
Benvinda
me dando lição e raiando comigo! Pra isso eu não percisava saí de casa de sinhô
Eusébio!
– O sinhô co’essa mania de querê me lançá é um cacete insuportave! Tá sempre
Figueiredo
– Mas é para o teu bem que eu...
Benvinda
falando cumo se fala na roça!
– Quais pera meu bem nem pera nada! Hei de encontrá quem me queira mesmo
Figueiredo
– Estás bem aviada!
Benvinda
– Eu mesmo posso me lançá sem percisar do sinhô!
Figueiredo
tola... uma ignorantona... não sabes o que é a Capital Federal!
– Oh! Mulher, olha que tu não tens nenhuma experiência do mundo. És uma
Benvinda
– Como o sinhô se engana! Eu já tou meia capitalista-federalista!
Figueiredo
lá: se algum dia precisares de mim, procura-me.
– Bom; Tua alma, tua palma! Estou com a minha consciência tranqüila. Mas vê
Benvinda
– Merci! (Vai-se afastando.)
Figueiredo
– Adeus, Fredegonda!
Benvinda
nome tão feio que toda a gente se ri quando ouve ele!
(Parando.) – Que Fredegonda! Assim é que o sinhô me lançô! Me deu logo um
Figueiredo
Chilperico...
– É porque não sabem a história! Fredegonda foi uma rainha... era casada com
Benvinda
se
– Pois eu por minha desgraça não sou casada com seu Borge. Ó revoá. (Afasta- .)
Figueiredo
fazer dela alguma coisa... Parece que vai chover... mas já agora vou assistir à
corrida. (
-
(.) – No fundo, estou satisfeito, porque decididamente não havia meio de Afasta-se.) Cena III
Lourenço, Lemos, Guedes
Lourenço
guarda
Lemos
– A mala não transpirou. Félix Faure é o favorito.
, depois o Freqüentador do Belódromo – Bom! Venham as pules. (Lemos e Guedes entregam as pules, que ele .)
Guedes
– Queira Deus que o S’il-vous-plaît não dê com a língua nos dentes!
O Freqüentador
número da sepultura dá a soma de 12. 5 e 2, 7; e 5, 12. Ora 12 e 12 são 24.
(Voltando.) – Comprei no 25... Mas agora me lembro... somando o
Lemos
– 24 é o tal Colibri. Não deite o seu dinheiro fora!
O Freqüentador
parece que vai chover. O tempo está muito entroviscado! (
– Aceito o conselho... Já cá tenho o 25... e não pode falhar! O diabo é que Afasta-se.)
Lourenço
dar menos de sete mil-réis.
(Que tem estado a calcular.) – Se o Félix Faure é o favorito, o Menelik não pode
Guedes
– Para cima!
Lourenço
esperá-los-ei no lugar do costume para a divisão dos lúcaros. Até logo!
– Separemo-nos. Creio que a diretoria já nos traz de olho... No fim da corrida
Lemos e Guedes
-
– Até logo. (Afastam-se. Benvinda volta passeando.) Cena IV
Lourenço e Benvinda
Lourenço
(
(Consigo.) – Estes malandretes ganham pela certa... não arriscam um nicolau... Vendo Benvinda.) Não me engano: é a celeste Aída do Sábado de aleluia... Reconhecerá ela na minha fisolostria o cocheiro da Lola? Vejamos! (Passa e acotovela Benvinda.) – Adeus, coração dos outros!
Benvinda
- Vá passando seu caminho e não bula ca gente!
Lourenço
– Tão zangada, meu Deus!
Benvinda
– Que deseja o sinhô?
Lourenço
– Pelo menos saber onde mora.
Benvinda
– Moro na rua das casa.
Lourenço
– Não seja má! Bem sei que é aqui mesmo na Rua do Lavradio.
Benvinda
– Quem le disse?
Lourenço
– Ninguém. Fui eu que lhe vi na janela.
Benvinda
– Pois não vá lá que não lhe arrecebo!
Lourenço
– Por que não me arrecebe, marvada?
Benvinda
Quero vivê em família.
– Vou sê franca... Só arrecebo quem quisé me tirá desta vida. Não nasci pra isto.
Lourenço
em família!
– Ah, seu benzinho! Isso é que não pode ser! Hoje em dia não é possível viver
Benvinda
– Por quê?
Lourenço
– Por quê? Ainda me perguntas, amor?
Coplas
Lourenço
Já não se encontra casa decente,
Que custe apenas uns cem mil-réis,
E os senhorios constantemente
O preço aumentam dos aluguéis!
Ainda o povinho muito inquieto,
E tem – pudera – toda a razão;
Não aparece nenhum projeto
Que nos arranque desta opressão!
Um cidadão neste tempo
Não pode andar amarrado...
A gente vê-se , e adeusinho:
Cada um vai pro seu lado!
- II –
Das algibeiras some-se o cobre,
Como levado por um tufão!
Carne de vaca não come o pobre,
E qualquer dia não come pão!
Fósforos, velas, couve, quiabos,
Vinho, aguardente, milho, feijão,
Frutas, conservas, cenouras, nabos,
Tudo se vende pr’um dinheirão!
Um cidadão neste tempo etc...
- I –
Benvinda
– Tenho sede, venha pagá um copo de cerveja.
Lourenço
– Com muito gosto, mas da Babilônia, que as alamoas estão pela hora da morte!
Benvinda
– Vamo.
Lourenço
– Como você se chama, seu benzinho.
Benvinda
– Artemisa.
Lourenço
-
– Que bonito nome! Vamos ali no botequim do Lopes. (Saem.) Cena V
Eusébio, Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette
, depois Figueiredo
(
Eusébio entra no meio das mulheres: traz o chapéu atirado para a nuca, e um enorme charuto. Vêm todos alegres. Acabaram de jantar e lembraram-se de dar uma volta pelo Belódromo.)
Eusébio
– Não, Lola! Tu hoje há de me deixá i pra casa! Dona Fortunata deve está furiosa!
Lola
– Que Dona Fortunata que nada!
Mercedes
– Havemos de acabar a noite num gabinete do Munchen!
Dolores
– Não o deixamos!
Blanchette
– Está preso!... E, demais, vamos ter chuva!
Eusébio
– Na chuva já tou eu, se não me engano. Aquele vinho é bão, mas é veiaco!
Figueiredo
(Aproximando-se.) – Olá! viva a bela sociedade!
Lola
- Olha quem ele é! O Figueiredo!
Mercedes
– O Radamés!
Dolores
– Você no Belódromo!
Figueiredo
que prestem! Não temos nada, nada!
– Por mero acaso... Não gosto disto... No Rio de Janeiro não há divertimentos
Eusébio
(Num tom magoado.) – Como vai a Fredegonda, seu Figueiredo?
Figueiredo
– A Fredegonda já não é Fredegonda!
Todos
– Ah!...
Figueiredo
– Tornou a ser Benvinda, como antigamente. Deixou-me!
Todos
– Deixou-o?
Figueiredo
– Deixou-me, e anda à procura de alguém que saiba lançá-la melhor do que eu!
Eusébio
– Uê!
Figueiredo
tivesse juízo, mas a sua resolução é inabalável... Pobre rapariga!...
– Deve estar aqui no Belódromo... Acompanhei-a até cá para pedir-lhe que
Eusébio
Benvinda!... Podia tá casada e agora... anda atirada por aí como uma coisa à-toa... sem ninguém que tome conta dela... (
(Muito comovido, para o que concorre o vinho que bebeu.) – Coitada da Com lágrimas na voz.) Coitada... não façum caso... Eu vi ela pequena... nasceu e cresceu lá em casa.. (Chorando.) Minha fia mamou o leite da mãe dela!
Todos
– Que é isso?! Chorando?! Ora esta!...
Eusébio
vacês! Mineiro tem muito coração!...
(Com soluços.) – Que chorando que nada! Já passou!... Não foi nada!... Que qué
Todos
– Vamos lá! Que é isso? Então? ...
Lola
umas pules para tomar interesse pela corrida.
– Há de passar. São efeitos do Chambertin! – Eusébio, onde... então?... vá comprar
Eusébio
– Eu não entendo disso!
Figueiredo
Colibri e Félix Faure.
– Escolha um nome daqueles. Olhe, ali, na pedra... Ligúria, Carnot, Menelik,
Eusébio
– Colibri! Eu quero Colibri!
Figueiredo
lhe sorri nenhum dos presidentes da República Francesa?
– Ouvi dizer que não vale nada... É o que aqui chamam um bacamarte... Não
Eusébio
fazenda.
– Não sinhô, não quero outro! Colibri é o nome de um jumento que tenho lá na
Dolores, Mercedes e Blanchette
presta! É dinheiro deitado fora!
(Ao mesmo tempo.) – Não faça isso! Se é bacamarte, não
Lola
– Deixem-no lá! É um palpite! Vá comprar cinco pules naquele guichê.
Eusébio
– Naquele quê?
Figueiredo
– Naquele buraco.
Eusébio
– Canto custa?
Figueiredo
– Cinco pules são dez mil-réis.
Eusébio
– Mas como se faz?
Figueiredo
"Colibri".
– Estenda o braço, meta o dinheiro dentro do buraco, abra a mão, e diga:
Eusébio
– Sim, sinhô. (Afasta-se.)
Figueiredo
– Pois é o que lhes conto: estou livre como o lindo amor!
Mercedes
– Se me quiser tomar sob a sua valiosa proteção...
Dolores
– Se quiser fazer a minha ventura...
Blanchette
– Se me quiser lançar...
Lola
– Vocês estão a ler! Ele só gosta de...
Figueiredo
Acho que as brancas são encantadoras, apetitosas, adoráveis, lindíssimas, mas que
querem? – tenho cá o meu gênero...
(Atalhando.) – De trigueira! Eu digo trigueiras, por ser menos rebarbativo...
Mercedes
– Isso é um crime!
Dolores
– Devia ser preso!
Blanchette
– Deportado!
Lola
- Sim, deportado... para a Costa da África!...
Quinteto
Lola
Ó Figueiredo, eu cá sou franca;
Estou com pena de você!
As outras
Nós temos pena de você!
Figueiredo
Façam favor, digam por quê!
Lola
Por não gostar da mulher branca!
As outras
Por não gostar da mulher branca!
Figueiredo
Meu Deus! Deveras!
Por isso só?
Todas
Somos sinceras!
Causa-nos dó!
Figueiredo
Oh!oh!oh!oh!
Todas
Oh!oh!oh!oh!
Lola
Pele cândida e rosada,
Cetinosa e delicada
Sempre teve algum valor!
- I –
Figueiredo
Que tolice!
Todas
Sim, senhor!
Lola
A cor branca, pelo menos,
Era a cor da loura Vênus,
Deusa esplêndida do amor.
Figueiredo
Quem lhe disse?
Todas
Sim, senhor!
Figueiredo
Se eu da Mitologia
Fosse o reformador!
Vênus transformaria
Numa mulata!
Todas
Horror!...
Figueiredo
A mimosa cor do jambo
Pede um meigo ditirambo
Cinzelado com primor!
- II –
Lola
Que tolice!
Todas
Não, senhor!
Figueiredo
Eu com os ovos, por sistema
Deixo a clara e como a gema,
Porque tem melhor sabor.
Lola
Quem lhe disse?
Todas
Não, senhor!
Figueiredo
Se eu da Mitologia
Fosse o reformador
Vênus transformaria
Numa mulata!
Todas
Horror!...
Juntos
Figueiredo As Cocot
Gosto do amarelo! Gosta do amarelo!
Que prazer me dá! Maus exemplos dá!
Nada mais anelo, Vara de marmelo
Nem aspiro já! Merecia já!
es
Eusébio
comprá! Eu meti o dinheiro no buraco, e o home lá de dentro perguntou: "Onde
leva?" Eu respondi: "Colibri", e ele ficou muito espantado, e disse: "É o premero que compra nesse bacamarte."
(Voltando.) – Aqui está cinco papezinho do Colibri. Custou! Toda a gente queria
Figueiredo
– Vamos ver a corrida lá de cima. Pedirei um camarote ao Cartaxo.
Todos
-
– Vamos! (Saem.) Cena VI -
Benvinda, Lourenço
Lourenço
e Povo ( Correndo.) – Correndo ainda apanho; mas olhe que o Menelik... (Desaparece.)
Benvinda
deste, nem de nenhum... Não gosto de ninguém... O que eu tenho a fazê de mió é
vortá para casa e pedi perdão a sinhá véia. (
– Não sinhô, não sinhô! Não quero Menelik! Compre no que eu disse. (Só, no proscênio.) Não gosto deste home: tem cara de padre... é muito enjoado... Nem Ouve-se o sinal do fechamento do jogo.)
Pessoas do povo
fundo: vão assistir à corrida
– Fechou! Fechou! Ora, e eu que não comprei (Dirigem-se todos para o .)
Lourenço
Benvinda
(Voltando.) – Sempre cheguei a tempo de comprar a pule! (Dando a pule a .) Mas que lembrança a sua de jogar no Colibri!
Benvinda
uns tempo.
– É porque é o nome de um burrinho que há numa fazenda onde eu fui passá
Lourenço
você levava a casa das pules! (
-
– Ah! É cabula? (Ouve-se um toque de campanhia elétrica.) Se ele vencesse, Ouve-se um tiro de revólver e um pouco de música.) Começou a corrida! Vamos ver! (Afastam-se para o fundo.) Cena VII
Gouveia, Fortunata
Fortunata
fio corrê na tá história! ... E logo que acabá a corrida, levo ele pra casa, e aqui não vorta!... Que coisa!... Benvinda desaparece... Seu Eusébio desaparece... Juquinha não sai do Belódromo... Tou vendo quando Quinota me deixa!
e Quinota (Entrando apressada à frente de Gouveia e Quinota.) – Não! Não quero vê meu
Quinota
– Oh! Mamãe! Não tenha esse receio!
Fortunata
– Que terra! Eu bem não queria vi no Rio de Janeiro!
Quinota
de casados.
– Que vida tão diversa da vida da roça! ( A Gouveia.) Não ficaremos aqui depois
Gouveia
– Por quê?
Quinota
– A vida fluminense é cheia de sobressaltos para as verdadeiras mães de família!
Fortunata
Arrespirou o á da Capitá Federá, e perdeu a cabeça!
– Olhe seu Eusébio, um home de cinqüenta ano, que teve até agora tanto juízo!
Gouveia
– Apanhou o micróbio da pândega!
Quinota
respeita ninguém... É uma sociedade mal constituída.
– Aqui há muita liberdade e pouco escrúpulo... faz-se ostentação do vício... não se
Gouveia
– Não a supunha tão observadora.
Quinota
– Eu sou roceira, mas não tola que não veja o mal onde se acha.
Fortunata
– parece que já está chuviscando... Eu senti um pingo...
Quinota
perfeitamente os seus defeitos.
– O senhor, por exemplo, o senhor, se pensa que me engana, engana-se. Conheço
Fortunata
(À parte.) – Aí!
Gouveia
– Os meus defeitos?
Quinota
não existe. Desagradam-me esse visíveis esforços que o senhor faz para iludir os
outros. O melhor partido que o senhor tem a tomar... e olhe que este é o conselho da tua noiva, isto é, da pessoa que mais o estima neste mundo... o melhor partido que o senhor tem a tomar é abrir-se com papai... confessar-lhe que é um jogador arrependido...
– Oh! São muitíssimos – e o menor deles não é querer aparentar uma fortuna que
Gouveia
– Oh! Quinota!...
Fortunata
– Não tem – ó Quinota – nem nada! É a verdade!...
Quinota
– Irá conosco para a fazenda, onde não lhe faltará ocupação.
Fortunata
Outro pingo!
– Sim sinhô; é mió trabaiá na roça que fazê vida de vagabundo na cidade! –
Quinota
Sacrifique à sua tranquilidade os seus prazeres; case-se, faça-se agricultor, e sua esposa, que não será muito exigente e terá muito bom-senso, todos os anos lhe dará licença para vir matar saudades daquilo a que o senhor chama o micróbio da pândega.
– Papai precisa muito associar-se a um moço inteligente, nas suas condições.
Gouveia
(À parte.) – Sim, senhor, pregou-me uma lição de moral mesmo nas bochechas!
Fortunata
– Seu Gouveia, é mió a gente i pro lugá por onde Juquinha tem de saí.
Gouveia
verdade, já está chuviscando.
(
– Deve sair por acolá... Vamos esperá-lo na passagem. (Estendendo o braço.) É Saem. O final da corrida. Um toque de campanhia elétrica. Pouco depois um pouco de música. Vozeria do povo, que vem todo ao proscênio.)
Coro
Oh! Quem diria
Que ganharia
O Colibri!
Ganhou à toa!
Pule tão boa
Eu nunca vi
Aqui!
-
Cena VIII
Lemos, Guedes, Lourenço, o Freqüentador do Belódromo,
depois Eusébio, Figueiredo, Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, depois S’il-vous-plaît, Juquinha, depois Fortunata, Quinota, Gouveia, depois Benvinda, depois Lourenço.
Lemos
– Ganhou o Colibri! Quem diria!
Guedes
– O Colibri... que pulão...
Lourenço
caiu o Menelik, por cima do Menelik o Ligúria, por cima do Ligúria, o Carnot, e o
Colibri, que vinha na bagagem, não caiu por cima de ninguém e ganhou o páreo!
Que palpite de mulata! Onde estará ela? Vou procurá-la. (
– Que desgraça!... O Félix Daure caiu de propósito, mas por cima do Félix Faure Desaparece.)
O Freqüentador
vinte e quatro. (
(A Lemos e Guedes.) – Então? Eu não dizia? Ganhou o 24! Doze e doze, Com uma idéia.) Ah!
Os Dois
– Que é?
O Freqüentador
(
guarda-chuva
cena alguns guarda-chuvas abertos. Aparecem Eusébio, Figueiredo e as cocotes.
Vêm todos de guarda-chuvas abertos
– Fui um asno! 24 é a data da missa de sétimo dia de minha mulher! Lemos e Guedes afastam-se rindo.) Ora esta! Ora esta!... E era um pulão! (Abre o .) Chove... Naturalmente não há mais corridas hoje... (Afasta-se. Há na .)
Figueiredo
pules e o senhor tem cinco!
– Bravo! Foi um tiro, seu Eusébio, foi um tiro!... O Colibri vendeu apenas seis
S’il-vous-plaît
Dá mais de cem mil-réis cada pule!...
(Metendo-se na conversa, e abrigando-se no guarda-chuva de Eusébio.) –
Eusébio
podia perdê! O Colibri é um jumento de muita sorte! (
– Mais de cem mil-réis? Então? Eu não disse? Co aquele nome, o menino não A S’il-vous-plaît.) O sinhô conhece ele?
S’il-vous-plaît
– Quem? O Colibri? Sim senhor!
Eusébio
– Vá chamá ele. Quero le dá uma lambuge!
S’il-vous-plaît
Colibri! Está aqui um senhor que jogou cinco pules em você e quer dar-lhe uma gratificação.
– Nem de propósito! Ele aí vem. (Chamando Juquinha que aparece.) Ó
Juquinha
(Aproximando-se muito lampeiro.) – Aqui estou, quê dê o home?
Eusébio
– Era o Juquinha!
Juquinha
– Papai (Deixa a correr e foge.)
Eusébio
espera lá! (
Lola
– Onde vai? Espere! (
– Ah! Tratante! O Colibri era ele! Alembrou-se do jumento! ... E foge do pai! Ora Corre atrás do Juquinha e desaparece. A chuva cresce. O povo corre todo e abandona a cena.) Corre atrás de Eusébio e desaparece.)
As Mulheres
– Vamos também! Vamos também. (Correm atrás de Lola e desaparecem.)
Figueiredo
– Então, minhas filhas? Não corram! (Vai atrás delas e desaparece.)
Fortunata
mesmo lado
(Entrando de guarda-chuva.) - É ele! É ele! É seu Eusébio! (Sai correndo pelo .)
Quinota
(Entrando, idem.) – Mamãe! Mamãe! (Corre acompanhando Fortunata.)
Gouveia
(Idem.) – Minhas senhoras!... Minhas senhoras! (Corre e desaparece.)
Benvinda
deixe!... (
(Entrando perseguida por Lourenço, ambos de guarda-chuva.) – Me deixe! Me Desaparece.)
Lourenço
(
-
( Só em cena.) – Dê cá a pule, seu benzinho, dê cá a pule, que eu vou receber! Desaparece. Mutação.) Quadro X-
A Rua do Ouvidor
1º Literato, 2º Literato, Pessoas do Povo,
depois
Fortunata, Quinota, Juquinha
Coro
Não há rua como a Rua
Que se chama do Ouvidor!
Não há outra que possua
Certamente o seu valor!
Muita gente há que se mace
Quando, seja por que for,
Passe um dia sem que passe
Pela Rua do Ouvidor!
1º Literato
– Tens visto o Duquinha?
2º Literato
cima!
– Qual! Depois que se meteu com a Lola, ninguém mais lhe põe a vista em
1º Literato
– É pena! Um dos primeiros talentos desta geração...
2º Literato
– Apaixonado por uma cocote!
1º Literato
versos à Lola. Ainda ontem me deu uns, que são puros Verlaine. Vou publicá-los no segundo número da minha revista.
– Felizmente a arte lucra alguma coisa com isso... O Duquinha faz magníficos
2º Literato
- Que está para sair há seis meses?
1º Literato
– Oh! Vê que linda rapariga ali vem!
2º Literato
mãe e o irmão. Vêm todos três carregados de embrulhos
- Parece gente da roça. (Ficam de longe, a examinar Quinota, que entra com a .)
Fortunata
compra está feita. Amenhã de menhã vamos embora!
– Vamo, minha fia, vamo tomá o bonde no largo de São Francisco. As nossa
Quinota
– E... seu Gouveia?
Fortunata
mió assim... Havia de sê muito mau marido!
– Não me fale de seu Gouveia! Há oito dia não aparece! Fez cumo teu pai! Foi
Juquinha
– Eu não quero i pra fazenda!
Fortunata
1º Literato
(
– Eu te amostro se tu vai ou não vai! Anda pra frente! (Vão saindo. ) À Quinota.) – Adeus, tetéia!
Fortunata
parto este chapéu-de-sol no lombo!... (
bem não queria vi no Rio de Janeiro! (
-
– Quem é que é tetéia? Arrepita a gracinha, seu desavergonhado, e verá com le Risadas.) – Vamo! Vamo!... Que terra!... Eu Saem entre risadas.) Cena II
1º Literato, 2º Literato, Pessoas do Povo,
2º Literato
moças!
depois Duquinha – Tu ainda um dia te sais mal com esse maldito costume de bulir com as
1º Literato
– Nada disse que a ofendesse. "Adeus, tetéia" não é precisamente um insulto.
2º Literato
– Pois sim, mas que farias tu se dissessem o mesmo à tua irmã?
1º Literato
– Não é a mesma coisa! Minha irmã e....
2º Literato
grandes olheiras
– Não é melhor que as irmã dos outros. (Entra Duquinha, vem pálido e com .)
Duquinha
– Ah! Meus amigos! Meus amigos! Se soubessem o que me aconteceu?
Os Dois
– Fala!
Duquinha
– O fazendeiro... aquele fazendeiro de quem lhes falei?...
Os Dois
– Sim!
Duquinha
– Apanhou-me com a boca na botija!...
1º Literato
– Mas que tem isso?
Duquinha
– Como que tem isso? Aquele homem é rico! Dava tudo à Lola!
2º Literato
– Tu também não lhe davas pouco!
Duquinha
(Vivamente.) – Dinheiro nunca lhe dei, - nem ela o aceitaria...
1º Literato
– Pois sim!
Duquinha
Quem sempre me apanhava algum era o Lourenço, o cocheiro.
– Jóias.... vestidos... pares de luvas... leques... chapéus... Dinheiro nem vintém.
2º Literato
– És um pateta! Mas conta-nos isso!
Duquinha
levado à Lola umas pérolas com que ela sonhou... Vocês não imaginam como
aquela rapariga sonha com coisas caras!
– Estávamos – ela e eu – na saleta e o bruto dormia na sala de jantar. Eu tinha
1º Literato
– Imaginamos! Adiante!
Duquinha
revista....
Depois que te amo, depois que és minha,
Nado em delícia, nado em delícia...
– Eu lia para ela ouvir os meus últimos versos... aqueles que te dei ontem para a
1º Literato
– Eu sei, Verlaine puro.
Duquinha
apaixonado... um beijo de poeta... Pois bem, depois da terceira estrofe:
Oh! Se algum dia, destino fero
Nos separasse, nos separasse...
– Obrigado. – No fim de cada estrofe, eu dava-lhe um beijo... um beijo quente e
1º Literato
- O que faria contar não quero...
(Continuando.)
Duquinha
Que se o contasse, que se o contasse...
No fim dessa estrofe, Lola, que esperava a deixa, estende-me a face, eu beijo-a e o
fazendeiro, de pé, na porta da saleta, com os olhos esbugalhados dá este grito: Ah! Seu pelintreca!...
2º Literato
– E tu?
Duquinha
estava dentro de um bonde elétrico, tocando a toda para a cidade!
– Eu?... Eu... eu cá estou. Não sei o que mais aconteceu. Quando dei por mim
1º Literato
– Fizeste uma bonita figura, não há dúvida! Podes limpar a mão à parede!
Duquinha
- Por quê?
1º Literato
– Essa mulher não te perdoará nunca tal covardia!
2º Literato
– Olha, o melhor que tens a fazer é não voltares lá!
Duquinha
– Ah! Meu amigo! Isso é bom de dizer, mas eu estou apaixonado...
2º Literato
loucuras?
– Tu estás mas é fazendo asneiras! Onde vais tu buscar dinheiro para essas
Duquinha
pequenas. – Ora adeus! Não pensemos em coisas tristes, e vamos tomar alguma coisa alegre!
– Mamãe tem me dado algum.. mas confesso que contraí algumas dívidas, e não
Os Dois
(
esse lado e se encontram com Lola, que entra da esquerda, muito nervosa e agitada. Figueiredo entra da direita, observa as cocotes, pára, e, colocado por trás, ouve tudo quanto elas dizem
-
– Vamos lá! Afastam-se pela direita, cumprimentando Mercedes, Dolores e Blanchette, que entram por .) Cena III
Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, Figueiredo,
Pessoas do Povo,
Lola
depois Duquinha – Ah! venham cá. Estou aflitíssima. Não calculam vocês que série de desgraças!
As Outras
– Que foi? Que foi?
Lola
Rondó
Com o Duquinha a pouco eu estava
Na saleta a conversar,
E o Eusébio ressonava
Lá na sala de jantar.
O Duquinha uns versos lia,
Mas não lia sem parar,
Que a leitura interrompia
Para uns beijos me furtar;
Mas ao quarto ou quinto beijo,
Sem se fazer anunciar,
Entra o Eusébio, e o poeta vejo
Dar um grito e pôr-se a andar!
Pretendi novos inganos,
Novas tricas inventar,
Mas o Eusébio pôs-se a panos:
Não me quis acreditar!
Vendo a sorte assim fugir-me,
Vendo o Eusébio se escapar,
Fui ao quarto pra vestir-me
E sair para o apanhar.
Mas no quarto vi, de chofre,
- ‘Stive quase a desmaiar! -
Vi as portas do meu cofre
Abertas de par em par!
O ladrão foi o cocheiro!
Nada ali me quis deixar!
Levou jóias e dinheiro!
Que nem posso avaliar!
Blanchette
– O cofre aberto!
Dolores
– Jóias e dinheiro!
Mercedes
– O cocheiro!
Lola
– Sim, o cocheiro, o Lourenço, que desapareceu!
Blanchette
– Mas como soubeste que foi ele.
Lola
– Por esta carta, a única coisa que encontrei no cofre! Ainda por cima escarneceu de mim! (Tem tirado a carta da algibeira.)
Mercedes
– Deixa ver.
Lola
– Depois! Agora vamos à polícia.Não! À polícia não!
As Três
– Por quê?
Lola
carta, mas está tão nervosa que deixa-a cair
– Não convém. Logo saberão por quê. Vamos a um advogado! (Julga guardar a .) Vamos!
As Três
– Vamos! ( Vão saindo e encontram com Duquinha.)
Duquinha
– Lola!
Lola
(Dando-lhe um empurrão.) – Vá para o diabo!
As Três
Lola deixou cair
– Vá para o diabo! (Saem as cocotes. Figueiredo disfarça e apanha a carta que .)
Duquinha
entregue à fúria do fazendeiro! Sou um desgraçado! Que hei de fazer?... Vou desabafar em verso... Não! Vou tomar uma bebedeira!...(
-
(Consigo.) – Estou desmoralizado! Ela não me perdoa o ter saído, deixando-a Sai.) Cena IV
Figueiredo, Pessoas do Povo
Figueiredo
coisa! Vejamos o que o cocheiro lhe deixou escrito. (
combinação, representamos uma comédia pra extorquir dinheiro ao Eusébio; 2º, que induziste um filho-família a contrair dívidas para presentear-te com jóias; 3º, que nunca foste espanhola, e sim ilhoa; 4º, que foste a amante do teu ex-cocheiro – Lourenço." Sim, senhor, é de muita força a tal senhora Dona Lola!... Não há, juro que não há mulata capaz de tanta pouca vergonha! (
-
– Ora aqui está como uma pessoa, sem querer, vem ao conhecimento de tanta Põe a luneta e lê.)- "Lola. – Eu sou um pouco mais artista que tu. Saio da tua casa sem me despedir de ti, mas levo, como recordação da tua pessoa, as jóias e o dinheiro que pude apanhar no teu cofre. Cala-te; se fazes escândalo, ficas de mal partido, porque eu te digo: 1º, que de Sai.) Cena V
Gouveia, Pessoas do Povo,
depois Pinheiro
(
Gouveia traz as botas rotas, a barba por fazer, um aspecto geral de miséria e desânimo.)
Gouveia
acreditará que não tenho dinheiro nem crédito para comprar um par de sapatos! Há oito dias não vou à casa de minha noiva, porque tenho vergonha de lhe aparecer neste estado!
– Ninguém, que me visse ainda há tão pouco tempo tão cheio de jóias, não
Pinheiro
(Aparecendo.) – Oh! Gouveia! Como vai isso?
Gouveia
– Mal, meu amigo, muito mal...
Pinheiro
roupa no fio... Desapareceu do teu dedo aquele esplêndido e escandaloso farol, e tens uma botas que riem da tua esbodegação!
– Mas que quer isto dizer? Não me pareces o mesmo! Tens a barba crescida, a
Gouveia
– Fala à vontade. Eu mereço os teus remoques.
Pinheiro
eu te havia emprestado!
– E dizer que já me quiseste pagar, com juros de cento por cento, dez mil-réis que
Gouveia
– Por sinal, que disseste, creio, que esses dez mil-réis ficavam ao meu dispor.
Pinheiro
botinas não se compra com dez mil-réis, aqui tens vinte... sem juros. Pagarás quando quiseres.
– E ficaram. (Tirando dinheiro do bolso.) Cá estão eles. Mas, como um par de
Gouveia
roleta.
– Obrigado, Pinheiro; bem se vê que tens uma alma grande e nunca jogaste a
Pinheiro
diante. – Adeus, Gouveia... aparece! Agora, que estás pobre, isso não te será difícil!... (
-
– Nada! – Sempre achei que o jogo, seja ele qual for, não leva ninguém para Sai.) Cena VI
Gouveia,
Gouveia
descalço! Enfim vamos comprar os sapatos! (
depois Eusébio – Como este tipo faz pagar caro os seus vinte mil-réis! Ah! Ele apanhou-me Vai saindo e encontra-se com Eusébio, que entra cabisbaixo.) Oh! O Sr. Eusébio!...
Eusébio
– Ora! Inda bem que le encontro!...
Gouveia
de Quinota!...
( À parte.) – Naturalmente já voltou à casa... Como está sentido! ... Vai falar-me
Eusébio
- Hoje de menhã encontrei ela beijando um mocinho!
Gouveia
– Hein?
Eusébio
– É levada do diabo! Não sei como o sinhô pôde gosta dela!
Gouveia
Eusébio
– Era uma burrice!
– Ora essa! A ponto de querer casar-me!
Gouveia
– Custa-me crer que ela...
Eusébio
de que serviu gasta tanto dinheiro com ela!...
– Pois creia! Beijando um mocinho, um pelintreca, seu Gouveia!... Veja o sinhô
Gouveia
– Sim, o senhor educou-a bem... ensinou-lhe muita coisa...
Eusébio
arrugam ensinou foi o sinhô e não eu! Beijando um pelintreca, seu Gouveia!...
(Vivamente.) – Não, sinhô! Não ensinei nada!... Ela já sabia tudo! O sinhô, sim! Se
Gouveia
– Dona Fortunata não viu nada?
Eusébio
– Dona Fortunata?... Uê!... Como é que havera de vê?... Olhe, eu lá não vorto!
Gouveia
– Não volta! Ora esta!
Eusébio
– Não quero mais sabê dela.
Gouveia
– Deve lembrar-se que é pai!
Eusébio
vai me apadrinha, como noutro tempo se fazia cm preto fugido... Não me atrevo a entrá In casa sozinho depois de tantos dias de ofensa!
– Por isso mesmo! Ah! Seu Gouveia, se arrependimento sarasse... Bem; o sinhô
Gouveia
Quinota...
– Em casa? Pois o senhor não me acaba de dizer que lá não volta porque Dona
Eusébio
– Quem le falou de Quinota?
Gouveia
agora percebo! A Lola!...
– Quem foi então que o senhor encontrou aos beijos com o pelintreca? – Ah,
Eusébio
– Pois quem havera de sê?
Gouveia
Eusébio... Eu apadrinharei, mas com uma condição: o senhor por sua vez me há de apadrinhar a mim, porque eu também não apareço à minha noiva há muitos dias!
– E eu supus... Onde tinha a cabeça? ... Perdoa, Quinota, perdoa! Vamos, Senhor
Eusébio
– Por quê?
Gouveia
abrir-me. (
– Em caminho tudo lhe direi. (À parte.) – Aceito o conselho de Quinota: vou Alto.) Tenho ainda que comprar um par de sapatos e fazer a barba.
Eusébio
Lola, Mercedes, Dolores e Blanchette
-
– Vamo, seu Gouveia! (Saem. Ao mesmo tempo aparece Lourenço perseguido por .) Cena VIII
Lourenço, Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, Pessoas do Povo
Lola e os Outros
soldados que aparecem. Grande vozeria e confusão. Apitos. Mutação
– Pega ladrão! (Lourenço é agarrado por pessoas do povo e dois .)
Quadro XI
(
-
O sótão ocupado pela família de Eusébio.) Cena I
Juquinha,
Juquinha
depois Fortunata, depois Quinota (Entrando a correr da esquerda.) – Mamãe! Mamãe!
Fortunata
(Entrando da direita.) – Que é, menino?
Juquinha
– Papai tá i!
Fortunata
– Tá i?
Juquinha
zangada, que se tivesse, ele não entrava.
– Eu encontrei ele ali no canto e ele me disse que viesse vê se va’mecê tava
Fortunata
zangada!
– Oh! Aquele home, aquele home o que merecia! Vai, vai dizê a ele que não tô
Juquinha
– Seu Gouveia tá junto co ele.
Fortunata
– Bem! Venha todos dois. (Juca sai correndo.) Quinota, Quinota!
A voz de Quinota
– Senhora?
Fortunata
quero me amofiná. (
– Vem cá, minha fia. – Eu não ganho nada me consumindo. Já tou véia; não Entra Quinota.) – Quinota, teu pai vem aí... mas o que está arresolvido está: amenhã de menhã vamo embora.
Quinota
– E seu Gouveia?
Fortunata
– Também vem aí.
Quinota
(Contente.) – Ah!
Fortunata
casa...
-
– Não quero mais ficá numa terra onde os marido passa dias e noite fora de Cena II
Fortunata, Quinota, Juquinha, Eusébio,
Juquinha
depois Gouveia (Entrando.) – Tá i papai!
Eusébio
(Da porta.) – Posso entrá? Não temo briga?
Quinota
– Estando eu aqui, não há disso!
Fortunata
– Sim, minha fia, tu é o anjo da paz.
Quinota
Abracem-se!...
(Tomando o pai pela mão.) – Venha cá. (Tomando Fortunata pela mão.) Vamos!
Fortunata
(Abraçando-o .) – Diabo de home, véio sem juízo!
Eusébio
– Foi uma maluquice que me deu! Raie, raie, Dona Fortunata!
Fortunata
– Pai de fia casadeira!
Eusébio
– Tá bom! Tá bom! Juro que nunca mais! Mas deixe le dizê...
Fortunata
– Não! não diga nada! Não se defenda! É mió que as coisa fique como está.
Juquinha
– Seu Gouveia tá no corredô.
Quinota
– Ah! (Vai buscar Gouveia pela mão. Gouveia entra manquejando.)
Eusébio
– Assim é que o sinhô me apadrinhou?
Gouveia
– Deixe-me! Estes sapatos novos fazem-me ver estrelas.
Fortunata
– Seu Gouveia, le participo que amenhã de menhã tamo de viagem.
Eusébio
– Já conversei co ele.
Gouveia
(A Quinota.) – Eu abri-me.
Eusébio
com Quinota e fica sendo meu sócio na fazenda.
– Ele vai coa gente. Não tem que fazê aqui. Tá na pindaíba, mas é o memo. Casa
Quinota
– Ah! Papai! Quanto lhe agradeço!
Juquinha
– A Benvinda tá i.
Todos
– A Benvinda!
Fortunata
(
-
Os mesmos, Benvinda
Benvinda
– Tô muito arrependida! Não valeu a pena!
– Não quero vê ela! Não quero vê ela! Quinota vai buscar Benvinda, que entra a chorar, vestida como no 1º quadro, e ajoelha-se aos pés de Fortunata.. ) Cena III
Fortunata
– Rua, sua desavergonhada!
Eusébio
– Tenha pena da mulata.
Fortunata
– Rua!
Quinota
– Mamãe, lembre-se de que eu mamei o mesmo leite que ela.
Fortunata
– Este diabo não tem descurpa! Rua!
Gouveia
– Não seja má, Dona Fortunata. Ela também apanhou o micróbio da pândega.
Fortunata
Juquinha
– Pois bem, mas se não se comportá dereto... (Benvinda vai para junto de .)
Eusébio
(Baixo à Fortunata.) – Ela há de casá com seu Borge... Eu dou o dote...
Fortunata
– Mas seu Borge...
Eusébio
nós... E que tem isso?... É na roça, é no campo, é no sertão, é na lavoura que está a vida e o progresso da nossa querida pátria. (
– Quem não sabe é como quem não vê. (Alto.) A vida da capitá não se fez para Mutação.)
Quadro XII
(
Toda a música desta peça é composta pelo Senhor Nicolino Milano, à exceção das coplas do Ato I - quadro I, cena I e quadro III, cena III , do coro do quadro III, cena I, do duetino do quadro II, cena IV e do quarteto do quadro III, cena IV que foram compostas pelo Senhor Doutor Pacheco, e da valsa do ato I, cena IV, composição do Senhor Luís Moreira.
Apoteose à vida rural.)